quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mudanças do PDM são segunda maior causa de corrupção.


A administração local é a maior incubadora da corrupção em Portugal. A alteração do plano director municipal (PDM) ou projectos por interesses económicos ilegítimos é uma das principais motivações dos actos corruptos, sendo registada em 50 dos 345 casos analisados pelo Ministério Público entre 2004 e 2008. Os dados são de um estudo do Instituto de Ciências Sociais (ICS) que mostra que as alterações estão normalmente associadas ao “nepotismo, favoritismo, clientelismo e conflito de interesses”.

 Um ex-autarca do Porto e uma antiga administradora da área do urbanismo em Lisboa – que lutaram contra ilegalidades – explicam como funcionam as negociatas e contam que pressões sofreram.

 O estudo intitulado “A corrupção participada na administração local em Portugal (2004-2008), elaborado por Inês Lima em 2011, tem por base uma anterior investigação do ICS (realizada em colaboração com o Departamento de Investigação e Acção Penal) e teve como amostra 345 processos instaurados por corrupção.

 O trabalho – apresentado como tese de mestrado – inclui um levantamento das motivações do ato corrupto. A “alteração do PDM ou projectos” apenas é batida pelo “desvio de verbas/apropriação de dinheiro” (80 casos). A análise foi coordenada pelo sociólogo e autor de estudos sobre a corrupção, Luís de Sousa, que explica ao DN que “a nível local um dos principais focos de corrupção está na área do urbanismo e, acima de tudo, na fase de planificação, onde se incluem os PDM”. O professor do ICS lembra que “uma linha de PDM pode representar diversos metros quadrados”.

 O estudo diz ainda que, entre os arguidos nos processos de corrupção, os políticos dominam (27,6% dos sujeitos passivos), seguidos dos “quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresas” (21,4%).Luís de Sousa explica que “temos um urbanismo que responde muitas vezes aos interesses instalados: o director de um serviço aprova uma alteração e depois o edil não quer levantar problemas, porque muitas vezes trata-se de um investimento e o investidor pode ser o financiador da sua campanha eleitoral”.

 Uma luta quixotesca

 Alvos de pressões políticas foram o antigo vice-presidente da Câmara do Porto, Paulo Morais, e a antiga presidente da Sociedade de Requalificação Urbana de Lisboa, Maria Teresa Goulão. O antigo “vice” de Rui Rio conta ao DN que “os promotores não estão habituadas a que alguém lhes trave os projectos”. Foi por isso que enquanto esteve na câmara do Porto era pressionado por “colegas vereadores, gente do partido e promotores”. No fundo, pediam-lhe que contornasse a lei para que outros ganhassem milhões. Recusou entrar no esquema e a sua saída da autarquia tornou-se inevitável, embora ilibe o ainda presidente dessas manobras.

 Paulo Morais é bastante crítico da forma como as coisas são geridas a este nível, denunciando que “o que temos hoje não são PDM, são bolsas de tráfico de solos. A entidade que arbitra, as autarquias, não é imparcial, pois arbitra em favor daqueles que têm influência política.” O ex-autarca classifica a urbanização como um “negócio que dá lucros de 800%/900%, que só tem paralelo em Portugal com o tráfico de droga e, tal como essa área, tem máfias e negócios escuros envolvidos”.

 Enquanto vereador, reprovou imensos projectos por serem uma “imoralidade”. Entre os seus cavalos de batalha destacam-se casos como o da Quinta da China, o Sport Clube do Porto e o campo de treinos do Salgueiros.

 Quem também enfrentou a corrupção foi Maria Teresa Goulão. “Uma batalha de D. Quixote. Sozinha. Sofri uma pressão feita em termos muito graves de pessoas com enormes responsabilidades e a quem eu belisquei algum interesse.”

 Teresa Goulão considera que as negociatas ao nível de solos são “a morte silenciosa de Portugal”, criticando a “impunidade” que reina no País. Responsável pelas questões do urbanismo na associação Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC). Teresa Goulão fez um levantamento de vários dos casos polémicos no sector. Uns prescreveram, outros foram arquivados, e até houve condenações.

 A TIAC vai, aliás, dedicar este ano às questões ambientais, porque o tempo urge. Todos os anos, como explica a consultora ambiental, “a expansão urbana faz que a União Europeia perca uma superfície de solo maior do que a cidade de Berlim (dez vezes o tamanho de Lisboa). E Portugal continua sem um levantamento dos solos contaminados. “A falta de uma política e de uma lei dos solos actual constitui fonte de muitos crimes de corrupção e tráficos de influências”, alerta Teresa Goulão. O que os motiva? “Abancas políticas e de corporação: o dinheiro não tem cor.”

 RUI PEDRO ANTUNES - DN

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