domingo, 28 de julho de 2013

Respeitáveis cidadãos e veneráveis imbecis!




Por entre a bruma política e futebolística, a notícia mais importante não abriu noticiários ou fez manchetes: neste ano lectivo, nos exames nacionais do secundário, bateram-se todos os recordes negativos.
Em Matemática não damos uma para a caixa, em Português ganhámos aversão à língua. Colectivamente, a força motriz que fará o nosso futuro conseguiu distinguir-se de todas as outras desde que há exames nacionais.
Tenho falado do assunto. A culpa não está na simplista ideia de que os portugueses sofrem de uma espécie de evolucionismo ao contrário – é uma análise perigosa e contraditória com outros números que nunca foram tão bons. Uma longa conversa onde teríamos que falar do empobrecimento da comunicação, da desagregação das famílias, da ausência de disciplina e responsabilização individual dos alunos, da falta de qualidade de um número substancial de professores e dos incompetentes programas. Programas que, nomeadamente no estudo da língua portuguesa, trocam uma grande aventura por um exercício burocrático que prefere a leitura cega da gramática à fundamental viagem pelos livros que nos ajudaram a ser estes e não outros.
Enquanto um miúdo inglês, até ao 9.º ano, já conhece no essencial, Shakespeare, Poe, Dickens, Wilde, Melville, Hemingway ou Virgínia Woolf, os meus filhos e os seus, conseguiram passar pelos Lusíadas e, mesmo assim, na maioria dos casos, sem dizer nada acerca do fio invisível que faz de Camões um dos arquitectos da alma portuguesa. Da grande epopeia especula-se de raspão, mas das oitavas decassílabas, subordinadas ao ritmo fixo x ou y, mergulha-se até à náusea. Interessa-nos, como sempre nos interessou, a massa bruta, a grande obra, aquilo que nos faz parecer sábios aos olhos de papalvos. Nunca nos interessa, ou pelos menos raramente nos comove, a procura da simplicidade, da grande ideia, do que nos fica no coração depois de tudo se ter esquecido.
Importante é ficar bem na fotografia. Estar confortável nos salões de chá onde parecemos aos outros mais qualificados na argamassa, na linguagem codificada, na objectividade, nas convenções. Os pobres diabos que fogem disso são vistos como líricos, utópicos ou mesmo dementes. Más companhias e péssimas influências. Cromos poéticos, perigosos delirantes.
Exagero um pouco, infelizmente só um pouco.
O jornalista para ganhar estatuto precisa de chegar a director ou ser comentador. Numa redacção, quando algum miúdo se destaca, é logo hipótese para um qualquer cargo de editor, de chefe disto e daquilo.
Na medicina, os mais talentosos, são pressionados para liderar equipas, fazer investigação e doutoramentos em universidades americanas ou europeias, nada contra. No entanto, quando algum mostra vontade de voltar a ver doentes, de os acompanhar e curar, há sempre quem diga ser uma loucura pois atira para o lixo a oportunidade de uma vida.
Na política, as juventudes partidárias formam miúdos para serem pessoas partidas e não inteiras. Antes eram cegos de ideologia, o que me parecia mal mas, ainda assim, incomparável com esta cegueira de si próprios. Não seguem cada um por uma estrada própria, formando opiniões, dúvidas, novas perguntas e respostas que destroem e reformulam a cada momento – a sua estrada está definida e, os que se destacam, seguem-na sem atropelos: fazem-se notar com arremedos de criatividade e rebeldia controlada, sabem quem são os aliados, licenciam-se custe o que custar e estão disponíveis para o que vier.
Nas faculdades, sobretudo nos cursos científicos, como Biologia, os nossos melhores (doutorados nas melhores universidades do mundo) não têm lugar como professores pois os lugares estão ocupados por outros que, apesar de profundamente desactualizados, formam alunos que, no final da licenciatura, estão atrasados em relação aos colegas ingleses, franceses, italianos, espanhóis ou italianos. Escolho a Biologia por ser um exemplo flagrante onde se evoluiu mais nos últimos vinte anos do que em toda a sua história.
Licenciar-se, custe o que custar. Parece contraditório com o que disse antes, mas apenas aparentemente. Portugal tem a mais alta percentagem de licenciados e doutorados a ocupar cargos políticos, é um facto. Não são permitidas excepções. A licenciatura transformou-se não numa opção para melhor mergulhar no conhecimento, mas numa opção de sobrevivência. O que ouvimos, mesmo entre os pais, não é da necessidade de se conhecer mais, de se saber mais, de se atingir a sabedoria. O que ouvimos é o mais cortante, e menos poético, «o meu filho precisa do canudo».
Como escrevi numa mensagem para amigos «ser chamado de doutor é hoje mais uma forma de igualização do que de distinção. Nas empresas, escolas, banca, ONG’s, política ou televisão, a maioria das pessoas é o título e só depois o nome. Doutor isto, engenheiro aquilo e uma consequência: o que era status transformou-se num estigma que confunde respeitáveis cidadãos com veneráveis imbecis. Estou certo que, num futuro não muito distante, importantes serão os que forem reconhecidos pelo seu nome e essência».

Oxalá.


Luís Osório - Sol

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Eleições viciadas.



O sistema eleitoral autárquico permite candidaturas independentes, mas sem lhes conceder as mesmas condições que dá aos partidos políticos. No processo eleitoral que se avizinha, os independentes partem com uma enorme desvantagem.
Desde logo, porque não dispõem dos meios financeiros ilimitados a que os partidos com assento parlamentar têm acesso. Estes canalizam para o processo eleitoral autárquico alguns dos muitos milhões de subvenções que recebem do estado. As condições financeiras são desiguais. E, para agravar esta situação, os partidos têm isenções fiscais, não pagam IVA, enquanto os independentes a isso estão obrigados. Por absurdo, são os candidatos com menos recursos que pagam mais impostos.
Mas o que é ainda mais grave é que não são garantidas condições mínimas de igualdade no acesso aos cidadãos para a transmissão da mensagem eleitoral.
Os partidos do regime beneficiam de doses maciças de propaganda através das televisões e de outros órgãos de comunicação nacionais. Daqui até às eleições, os debates irão suceder-se nos vários canais, com os representantes partidários a defenderem os seus candidatos. Os portugueses irão ser bombardeados com programas em que os candidatos dos partidos do regime serão propagandeados, enquanto os independentes serão esquecidos. Quando o tema em debate for ligado ao processo eleitoral, a campanha será explícita. E mesmo quando se discuta política nacional, as eleições locais estarão presentes, ainda que implicitamente. Como se irão tirar ilações de carácter nacional a partir dos resultados locais, a política governamental e parlamentar estará sempre contaminada pela campanha eleitoral autárquica.
Com a democracia portuguesa diminuída, o processo autárquico está refém de uma partidocracia dominante. Exige-se agora uma atitude corajosa da Comissão Nacional de Eleições, a par de uma desejável autorregulação por parte dos órgãos de comunicação social. A nível local, devem ser proporcionados meios de acesso ao eleitorado equitativos, para partidos e candidaturas independentes. E, sobretudo, devem impedir-se as lavagens de cérebro que os comentadores de serviço dos partidos irão tentar impingir através das televisões.
Paulo Morais - CM