sábado, 30 de maio de 2009

O país deve preocupar-se.



Manuela Moura Guedes considera que o partido do poder em Portugal a quis silenciar. É grave, e como em outros casos seria excelente que a verdade viesse à superfície bem rápido. Portugal está adiado, e a culpa não é apenas da economia internacional. É nossa.

Faltam pouco mais de 8 dias para as eleições europeias e aquilo que se discute nada tem que ver com política. Não digo país. Digo política…

Quando a apresentadora do telejornal mais visto em todo o país acusa um partido de a calar, o país tem de se preocupar. Porque ou Moura Guedes diz o que não se sabe, ou o partido faz o que não pode. De uma forma ou outra, interessa a palavra preocupar - o país tem de se preocupar. Com questões assim e com a política - adia-se um país quando não se pensa nele.

Um autor inglês escreveu um livro com nome sugestivo: What?s Left . Não é novo mas tem uma história velha deliciosa: conta ele que os pais, empedernidos marxistas, quase o matavam em criança por falta de vitamina C. As laranjas nesses anos 60 vinham apenas de Portugal ou Espanha, onde Salazar e Franco mandavam à direita. Felizmente, escreve ele, um como o outro deixaram o poder a tempo e voltaram as laranjas lá a casa. Mas a ideologia era mais importante do que as vitaminas. Hoje não.

Sucede que quando tudo é indiferente, quando nada importa, também é razoável que pouca ou nenhuma importância se dê a acusações graves de jornalistas, bastonários ou empresários que construíram outlets. É como se nada valesse nada. A política, porém, consiste na valorização desses nadas, na existência de alternativas perante situações que parecem nada. Um exemplo? Desejar nacionalizações ou rejeitá-las, querer mais intervenção do Estado ou preferir evitá-la, pedir mais autonomia ou trocá-la por mais condução central, tudo hoje parecem nadas. Mas são muito. Um país guia-se e conduz-se, e há momentos em que é preciso guinar à esquerda ou à direita. Que curva se deveria fazer agora?

É a pergunta certa. Acontece que ela precisa da resposta certa - e ela não vem nos manuais. Que interessa esquerda e direita quando se discutem direitos dos homossexuais? O que importa aí são os direitos de cada um - não uma ideologia velha. Da mesma forma, que interessam os livros quando se pensa em nacionalizar um banco? O que vale aí é a factura e os condenados que a vão pagar. As campanhas eleitorais sempre foram espaços para que surgissem respostas - às vezes à esquerda, outras à direita, mas inteligentes. Onde está a inteligência agora? O país deve preocupar-se.

Martim Avillez Figueiredo - Jornal I 30/05/2009

terça-feira, 19 de maio de 2009

Porquê votar nas Eleições Europeias?


Quando votamos para o parlamento nacional, votamos em homens e mulheres que, em nosso nome fazem escolhas para a sociedade e que influenciam o nosso dia-a-dia e o futuro dos nossos filhos. Para a Europa, é igual. Quando quase 80% das regras da nossa vida se decidem ao nível europeu, devemos querer saber quem nos vai representar. As empresas que enviam os seus colaboradores a Bruxelas para convencer as instituições europeias a ouvirem as suas exigências, compreenderam bem onde se tomam as decisões. Os cidadãos contudo ainda não tomaram consciência, nomeadamente porque os políticos nacionais continuam a utilizar a Europa como uma “pára-chuva”: o que está bem vem de Lisboa, o que está mal vem de Bruxelas.

Esta é apenas uma razão, de entre muitas, para votar nas próximas eleições europeias. Os eurodeputados não vão apenas decidir sobre as leis do amanhã, sobre a regulação financeira, a solidariedade entre as regiões ou as regras relativas à emigração. Eles vão também decidir sobre o homem ou a mulher que será o próximo Presidente da Comissão Europeia, a instituição que lança as ideias…

A Europa necessita de uma política comum em matéria energética bem como em relações externas, as quais estão intimamente ligadas. Neste momento, estamos numa fase em que a posição da União Europeia (UE) não é tão forte e unânime como deveria ser. Os recentes conflitos entre a Ucrânia e a Rússia relativo ao gás natural mostraram o quanto ainda está por fazer.

Se ainda não está convencido da necessidade de votar, reflicta mais um pouco:

• É de esquerda, da direita ou do centro? Dê peso ao partido político da sua escolha no seio do Parlamento Europeu (PE). Quantos mais votos o seu partido obtiver na votação nacional, mais mandatos terá no PE e mais peso terá para fazer pender a decisões para o seu lado;

• Quer decidir sobre a legislação europeia ainda antes que ela seja transposta para a legislação nacional, vote nas eleições europeias!

• Quer viver num ambiente mais são, faça por isso e vote nas eleições europeias: o Parlamento europeu é uma das instituições mais empenhadas em matéria de protecção do ambiente;

• Quer participar na luta contra o aquecimento climático, reforce o poder do PE: este envolveu-se não só a favor da protecção do ambiente, mas também para reduzir as emissões de gazes que provocam o efeito estufa;

• Quer ter uma palavra a dizer sobre a protecção dos consumidores, transmita-o aos deputados europeus!

• Quer influenciar a resposta da UE à crise financeira e económica actual, então vote nas eleições europeias: cada vez mais os deputados europeus defendem a necessidade de uma legislação europeia que regulamente os mercados e os produtos financeiros para reduzir os riscos de especulação.

• O PE é também o lugar onde o debate sobre o futuro da Europa tem lugar. Para fazer entender a sua escolha sobre o projecto europeu e o seu futuro, vote!

Votar nas eleições europeias é o único meio que temos de influenciar a política europeia. O Parlamento é a única instituição europeia eleita por sufrágio universal directo que representa directamente 500 milhões de cidadãos da Europa. Não deixe que outros decidam por si. Peça a palavra e vote nas eleições europeias!


Constantino Rei in “Jornal O Interior”

sábado, 16 de maio de 2009

Eu sei que nem sempre votei bem.


“…Eu sei que nem sempre votei bem. Talvez não seja possível votar bem. Às vezes cai-se na ingenuidade de votar na palavra de alguém, e não há palavras inamovíveis. Mesmo que a pessoa em quem votamos mantenha a sua palavra, ela integrará um discurso que não é só seu. As coisas mudam – mas raramente em direcção ao futuro. O peso da História exerce uma atracção real e funesta. Existe essa preguiça activa a que chamamos tradição. Temos demasiadas palavras demasiadas vezes pronunciadas. Votar em alguém não chega – se chegasse, não havia democracia. Votar num grupo de gente também não chega. Mesmo que esse grupo seja todo ele constituído por seres abnegados, estará rodeado, no interior do próprio partido, por seres menos abnegados, que se encostam à política como modo de vida. Se um partido ganha a maioria, aqueles que se instalaram nele para subir na vida farão a vida negra aos que estão na política para melhorar a vida das populações. Mas se não conquistar a maioria, tem de negociar continuamente com as oposições, para que as suas reformas sejam aprovadas. Esta negociação acaba por ser sempre uma forma, mais ou menos leve, de corrupção, entrega de pequenos poderes e pequenas e médias prebendas. Títulos. Tachos. Motoristas. Encomendas de estudos. Coisas que custam dinheiro. Nas autarquias esta negociata é o trabalho quotidiano. Votamos sabendo que as coisas são assim, longe da perfeição…

… Não há saída para o descrédito da política. Segundo uma sondagem do Expresso publicada a 25 de Abril, 77% dos portugueses não se revê nos partidos. Na semana seguinte, soubemos que os custos das campanhas eleitorais vão subir, e que todos os partidos representados na Assembleia votaram alegremente um aumento exponencial do dinheiro vivo, e sem controlo, para financiar as campanhas eleitorais. No auge da crise, com o desemprego e o desespero a crescerem dia a dia, as empresas a falirem, o tecido económico do país a desfiar-se, os partidos permitem-se receber até 1278 milhões de euros de donativos sem prestar contas, além dos quase cem milhões que continuarão a sacar ao erário público. Só o socialista António José Seguro votou contra este convite aberto à corrupção. Assim, não há ingenuidade democrática que nos valha. Esforcei-me por votar sempre…Desta vez, apetece-me desistir. Eles que votem uns nos outros, já que tornam tão claro que a competição não nos diz respeito.”

Inês Pedrosa

Única/Expresso

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Homem novo


Culturalmente, é mais fácil mobilizar os homens para a guerra que para a paz. Ao longo da história, a Humanidade sempre foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz para a preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas as guerras foram declaradas. É sempre para que amanhã vivam pacificamente os filhos que hoje são sacrificados os pais…

Isto se diz, isto se escreve, isto se faz acreditar, por saber-se que o homem, ainda que historicamente educado para a guerra, transporta no seu espírito um permanente anseio de paz. Daí que ela seja usada muitas vezes como meio de chantagem moral por aqueles que querem a guerra: ninguém ousaria confessar que faz a guerra pela guerra, jura-se, sim, que se faz a guerra pela paz. Por isso todos os dias e em todas as partes do mundo continua a ser possível partirem homens para a guerra, continua a ser possível ir ela destruí-los nas suas próprias casas.

Falei de cultura. Porventura serei mais claro se falar de revolução cultural, embora saibamos que se trata de uma expressão desgastada, muitas vezes perdida em projectos que a desnaturaram, consumida em contradições, extraviada em aventuras que acabaram por servir interesses que lhe eram radicalmente contrários. No entanto, essas agitações nem sempre foram vãs. Abriram-se espaços, alargaram-se horizontes, ainda que me pareça que já é mais do que tempo de compreender e proclamar que a única revolução realmente digna de tal nome seria a revolução da paz, aquela que transformaria o homem treinado para a guerra em homem educado para a paz porque pela paz haveria sido educado. Essa, sim, seria a grande revolução mental, e portanto cultural, da Humanidade. Esse seria, finalmente, o tão falado homem novo.

José Saramago

sábado, 2 de maio de 2009

Mãe.



O NOVO CANTO DA MÃE


Mãe
Nós somos os teus filhos
Que sem vergonha
Quebraram as fronteiras do silêncio.
Os filhos sem manhãs
Que rasgaram as noites que cobriam
As carnes das tuas carnes.
Nós somos, Mãezinha,
Os teus filhos,
Os pés descalços,
Esfomeados,
Os meninos das roças,
Do cais,
Os capitães d’areia,
Os meninos negros à margem da vida
Que despedaçaram o destino do teu ventre,
Que endireitaram os instantes
Que marcaram socalcos na terra firme,
Na profundidade das trevas da tua vida.
Nós somos, Mãezinha, os teus filhos,
Sexos que germinaram vida,
Forças que desfloraram a virgindade dos dogmas
Fecundaram minérios de esperança,
Olhos, dinamite de amor,
Mãos que esfacelaram a espessura dos obós.


Tomás Medeiros
(S. Tomé: 1931)

FELIZ DIA MÃE.