sábado, 16 de maio de 2009

Eu sei que nem sempre votei bem.


“…Eu sei que nem sempre votei bem. Talvez não seja possível votar bem. Às vezes cai-se na ingenuidade de votar na palavra de alguém, e não há palavras inamovíveis. Mesmo que a pessoa em quem votamos mantenha a sua palavra, ela integrará um discurso que não é só seu. As coisas mudam – mas raramente em direcção ao futuro. O peso da História exerce uma atracção real e funesta. Existe essa preguiça activa a que chamamos tradição. Temos demasiadas palavras demasiadas vezes pronunciadas. Votar em alguém não chega – se chegasse, não havia democracia. Votar num grupo de gente também não chega. Mesmo que esse grupo seja todo ele constituído por seres abnegados, estará rodeado, no interior do próprio partido, por seres menos abnegados, que se encostam à política como modo de vida. Se um partido ganha a maioria, aqueles que se instalaram nele para subir na vida farão a vida negra aos que estão na política para melhorar a vida das populações. Mas se não conquistar a maioria, tem de negociar continuamente com as oposições, para que as suas reformas sejam aprovadas. Esta negociação acaba por ser sempre uma forma, mais ou menos leve, de corrupção, entrega de pequenos poderes e pequenas e médias prebendas. Títulos. Tachos. Motoristas. Encomendas de estudos. Coisas que custam dinheiro. Nas autarquias esta negociata é o trabalho quotidiano. Votamos sabendo que as coisas são assim, longe da perfeição…

… Não há saída para o descrédito da política. Segundo uma sondagem do Expresso publicada a 25 de Abril, 77% dos portugueses não se revê nos partidos. Na semana seguinte, soubemos que os custos das campanhas eleitorais vão subir, e que todos os partidos representados na Assembleia votaram alegremente um aumento exponencial do dinheiro vivo, e sem controlo, para financiar as campanhas eleitorais. No auge da crise, com o desemprego e o desespero a crescerem dia a dia, as empresas a falirem, o tecido económico do país a desfiar-se, os partidos permitem-se receber até 1278 milhões de euros de donativos sem prestar contas, além dos quase cem milhões que continuarão a sacar ao erário público. Só o socialista António José Seguro votou contra este convite aberto à corrupção. Assim, não há ingenuidade democrática que nos valha. Esforcei-me por votar sempre…Desta vez, apetece-me desistir. Eles que votem uns nos outros, já que tornam tão claro que a competição não nos diz respeito.”

Inês Pedrosa

Única/Expresso

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