domingo, 21 de outubro de 2012

Manuel António Pina - Prémio Camões 2011


Manuel António Pina morreu na sexta-feira, aos 68 anos, no Porto. É sabido que os grandes escritores nunca chegam a morrer, e que nos socorremos das palavras que nos deixam como uma espécie de memória sempre viva. No caso de Manuel António Pina, que para além de escritor era um cidadão que usava as palavras para reflectir sobre o mundo que nos calhou em sorte e para ponderar formas de o fazermos um bocadinho melhor, não nos farão falta as palavras que deixou, porque essas continuarão a ser salva-vidas diários para respirarmos melhor, mas já nos estão a fazer muita falta as palavras que nunca chegou a escrever.

Junto à água

Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz de infância, que o teu silêncio me chamasse!

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.

 de Um Sítio Onde Pousar A Cabeça(1991)



sábado, 20 de outubro de 2012

Euromilhões leva com taxa de 20%.


Uma taxa de 20% sobre os jogos sociais do Estado como o Euromilhões faz parte da proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano.

A proposta consta do OE, sendo que a nova taxa incide sobre prémios superiores a 5 mil euros e será cobrada em sede de imposto de selo.
Lotaria Nacional, Lotaria, Totobola, Totogolo, Totoloto e Joker são outros dos jogos sociais que, caso o prémio seja superior a 5 mil euros, são sujeitos a taxação.


Até aqui, os jogos sociais, tinham um imposto de selo de 4,5%, sobre o preço de venda da respectiva aposta.
Os jogos sociais do Estado são geridos pelos Departamento de Jogos Santa Casa, servindo para financiar o trabalho de beneficência desta instituição centenária.
O orçamento é votado na generalidade no final dos dois dias de debate, 30 e 31 de Outubro.
A votação final está agendada para 27 de Novembro no Parlamento.

Dinheiro Vivo

Mamas ao léu!


Rafael Bordalo Pinheiro escreveu há mais de um século sobre a "porca da política em que todos querem mamar". O criador do Zé Povinho dizia então que "é na política que todos mamam. E como não chega para todos, parecem bacorinhos que se empurram para ver o que consegue apanhar uma teta".

A linguagem pode não ser muito elevada, mas retrata na perfeição a decadência de uma época – e mantém-se actual. "A porca da política" sempre alimentou alguns eleitos, enquanto deixa o pobre Zé Povinho a sofrer as agruras da bancarrota.
Hoje de novo, os portugueses sentem na pele e no bolso as consequências de anos a fio de péssima gestão dos dinheiros do Estado. Olhando para a última década, sabe-se que os sacrifícios impostos nunca serviram para nada.
Portugal progrediu muito pouco e a culpa não foi dos portugueses, mas da tal "porca da política". Do pântano de Guterres, passando pela tanga de Durão Barroso, até à ‘geração das mamas ao léu’ de Passos Coelho – tão bem retratada na capa do CM de ontem – continuamos todos a ser vítimas de quem nos desgoverna.

Paulo Pinto Mascarenhas, Jornalista, CM

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Eucaliptos...



O CDS de Paulo Portas exibe os pergaminhos de ser o partido dos valores da "História de Portugal", do território e das pessoas que o habitam. Pois, chegou a hora de Portas o provar. Porque o CDS está a fazer, através de Assunção Cristas, ministra da Agricultura e Ambiente, e de Daniel Campelo, secretário de Estado das Florestas, um demencial ataque ao território. Num ano em que a área ardida mais que duplicou face ao ano anterior, o Governo quer liberalizar a plantação de eucaliptos em qualquer terreno, esquecendo que nada tem sido mais grave do que as vastas áreas plantadas em monocultura, como a do eucalipto, para que os fogos se tornem incontroláveis, os solos cada vez mais pobres e o despovoamento do Interior irreversível.
A Proposta de Lei de Cristas e Campelo permite aos proprietários de terrenos com menos de cinco hectares mudar de espécie florestal sem qualquer tipo de autorização. Todos sabemos qual é a mais rentável: o eucalipto. Quem quer esperar 80 anos por um sobreiro, ou 50 para vender madeira de carvalhos ou nogueiras? E no entanto, estas são as espécies que garantem a biodiversidade portuguesa, a fertilidade dos solos, uma boa gestão dos recursos hídricos e mais resistência ao avanço do fogo.
Um exemplo: 95% da área que é hoje pinhal tem menos de cinco hectares. Com esta proposta o Governo autoriza, em nome da "desburocratização", a liberdade de se mudar do menos rentável pinheiro para o eucalipto... Esquecendo que o eucalipto é uma árvore australiana e se tornou por cá numa invasora imparável.
Além disso, até aqui, as áreas ardidas não podiam ser replantadas com eucaliptos se antes ele não estivesse lá. A partir desta proposta do Governo, luz verde ao eucalipto... Querem melhor convite para pôr a arder o que resta de castanheiros ou carvalhos? Preparem os carros de bombeiros para o próximo verão... Mas pior ainda: mesmo nas áreas acima dos 10 hectares, apesar da autorização para se plantar eucaliptos ser ainda exigida, ela fica automaticamente aprovada se os serviços públicos não responderem em 30 dias. Ora, com a redução de funcionários, está aberta a porta para que passe tudo tacitamente... Um parêntesis: sabem quanto custa o combate aos incêndios por hectare? 25 euros. Este ano arderam 110 mil hectares, área duas vezes e meia maior do que a do ano passado. Combates pagos por todos nós. Qual a solução? Carros, bombeiros, helicópteros... Falso: é a floresta, estúpido!
Com esta medida, o CDS dá mais um salto no tempo: passa do "Partido da Lavoura" para o partido do "petróleo verde" inaugurado pelos governos Cavaco (lembram-se da GNR a bater em populares em 1988 em Valpaços, por estes serem contra a eucaliptização?). O rasto de miséria e devastação do território desta Proposta de Lei do Governo será, a prazo, ainda mais nociva que a dívida, os défices e a troika, juntos.
Exportamos muito papel e isso é bom? As coisas têm de ser q.b.. Porque as consequências de mais eucaliptos, para além de mais fogos, são a desertificação dos solos, envenenamento das albufeiras com as cinzas, diminuindo cada vez mais a qualidade da água potável. Uma terra sem minerais por décadas ou séculos... E terreno onde esteve eucalipto, só nasce eucalipto. Nem precisa de se plantar. Mas arrancá-los custará milhões.
A campanha do trigo de Salazar, no Alentejo, foi um êxito social e económico na altura. Hoje, nas terras usadas para a autossuficiência salazarista, resta pouco. O trigo plantado pelo ditador visionário em solo sem capacidade para o produzir provocou uma ferida na terra que vai demorar sete mil anos a regenerar. E agora vejam o alcance desta medida do Governo: permitir eucaliptos até nos mais férteis solos agrícolas nacionais - apesar da nossa dependência alimentar.
Bem sei que Paulo Portas daqui a 30 ou 40 anos já não estará na política activa e hoje isto dá votos - a malta gosta de sacar umas massas com uma árvore que cresce sozinha e que de 10 em 10 anos se vai cortar fácil. É dinheiro em caixa sem trabalho nenhum. Mas é o fim do Interior e da agricultura de que precisamos. Portas ficará na História como o homem da "Lavoura" sim, porque, afinal, acabou de vez com ela.



domingo, 7 de outubro de 2012

Pela boca morre o peixe.


Em 1999, salvo erro, Paulo Portas - então "Paulinho das Feiras" - recitava à exaustão uma ladainha de campanha eleitoral que era, no fundo, a sua cartilha contra "o esbulho" fiscal com que o Ministério das Finanças de então massacrava os contribuintes. Rezava mais ou menos assim: "Se bebo um café, pago IVA; se trabalho, pago IRS; se tenho uma empresa, pago IRC; se compro um carro, pago imposto automóvel; se fumo um cigarro, pago imposto sobre o tabaco; se morro, pago imposto sucessório, a mais criminosa das taxas, em que o Estado, depois de nos tirar tudo o que pode em vida, vem buscar o resto depois da morte..." E seguia por aí adiante.
Treze anos passados, o CDS - que à época era PP - entra para a história como cúmplice do maior assalto fiscal de que há memória na história recente de Portugal. E, Paulo Portas, queira ou não, será recordado como um dos principais rostos do "esbulho"e do "bombardeamento fiscal" praticados pelo atual Governo.
O mesmo Paulo Portas que, bruscamente no verão passado, escreveu uma carta aos militantes do seu partido garantindo que não autorizaria mais aumentos de impostos porque o País atingiu "o limite" em matéria fiscal. O mesmo Paulo Portas que, na última campanha eleitoral, se assumia como uma espécie de provedor do contribuinte que recusaria qualquer agravamento fiscal.
Em suma, o mesmo Paulo Portas que jurara a pés juntos que só iria para o Governo caso tivesse força. Ora o que o novo pacote de austeridade, melhor dito, brutalidade, veio demonstrar foi a inutilidade deste CDS. A sua incapacidade e falta de força para influenciar ou condicionar a governação.
Dito isto, aqueles que pensavam que as notícias do fim da coligação PSD-CDS eram manifestamente exageradas, enganaram--se. O casamento de conveniên- cia chegou ao fim e os dois partidos, como disse Miguel Sousa Tavares, limitam-se agora a dormir em quartos separados até que o divórcio seja consumado.
Quinta-feira, na Assembleia da República, findo o debate das moções de censura, Paulo Portas voltou a vestir o fato de líder da oposição ao Governo de que faz parte, e demarcou-se do "enorme" aumento de impostos anunciado na véspera por Vítor Gaspar. E, ficou a saber-se no dia seguinte, o CDS prepara uma "bateria de alterações" ao Orçamento do Estado - como se, estando no Governo, não fosse corresponsável pela elaboração do documento original - e equaciona mesmo a possibilidade de abandonar o barco.
Como se percebe, continuamos em ambiente de crise política. E Cavaco Silva, ao fazer questão de recordar os poderes presidenciais como "moderador em caso de conflitos" institucionais, mostrou estar consciente de que a rutura está iminente. O mesmo Presidente da República que, no discurso do 5 de Outubro, fez questão de ignorar o "melhor povo do mundo" que desespera por uma palavra de esperança. O mesmo Presidente da República que, por muito menos do que isto - por ventura terá mudado de opinião -, denunciou que "há limites para os sacrifícios que se podem pedir ao comum dos cidadãos". Enfim, o mesmo Presidente da República que hasteou a bandeira nacional de pernas para o ar, na metáfora perfeita de um País em sobressalto que não vislumbra o limite para os sacrifícios que podem ser-lhe pedidos, por uma coligação que agoniza ligada ao ventilador, e com políticos que fogem e se escondem do povo.
É evidente que a consolidação orçamental tem de ser feita. As nossas dívidas têm de ser pagas. Os nossos compromissos têm de ser honrados. Por ventura, a austeridade é inevitável. Mas por que carga de água não nos disseram tudo? Porque diabo nos prometeram, há pouco mais de um ano, que as medidas que estavam em execução eram suficientes? Por que que raio não nos contaram que o objetivo era empobrecer, matar a classe média e liquidar a economia? Por que razão nos querem agora sacar seis vezes mais do que é oficialmente necessário, alcandorando os remediados à categoria de ricos? Porquê?
Como diz o povo, seguramente o melhor do mundo, pela boca morre o peixe.

NUNO SARAIVA - DN