domingo, 21 de outubro de 2012

Manuel António Pina - Prémio Camões 2011


Manuel António Pina morreu na sexta-feira, aos 68 anos, no Porto. É sabido que os grandes escritores nunca chegam a morrer, e que nos socorremos das palavras que nos deixam como uma espécie de memória sempre viva. No caso de Manuel António Pina, que para além de escritor era um cidadão que usava as palavras para reflectir sobre o mundo que nos calhou em sorte e para ponderar formas de o fazermos um bocadinho melhor, não nos farão falta as palavras que deixou, porque essas continuarão a ser salva-vidas diários para respirarmos melhor, mas já nos estão a fazer muita falta as palavras que nunca chegou a escrever.

Junto à água

Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz de infância, que o teu silêncio me chamasse!

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.

 de Um Sítio Onde Pousar A Cabeça(1991)



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