sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O impedimento do Presidente.


“Impedimento” é a nova entrada no dicionário político do cavaquês. “Impedimento” igual a fuga, dificuldade em enfrentar a rejeição, temor das multidões, síndrome de ataque de pânico face a uma situação de risco. Apesar de “impedimento” ter sido introduzido ontem, estes significados da palavra foram uma constante da história política de Aníbal Cavaco Silva. Basta lembrar a overdose de agentes de segurança, uma proverbial imagem de marca do actual Presidente desde os tempos em que era primeiro-ministro e tinha um país pacífico aos pés. O aparato era substancial também nas idas à praia.
Cavaco Silva não mudou grande coisa. Infelizmente para ele, mudaram as circunstâncias. A sua capacidade de influência praticamente desapareceu desde que o governo é liderado por Pedro Passos Coelho, um notório anticavaquista desde os gloriosos tempos em que era muito difícil ser- -se anticavaquista. A geração social-democrata que está no poder, que cresceu com o cavaquismo, tornou- -se adulta precisamente no auge da sua decadência, lá no meio dos anos 90. Na sequência deste processo, a geração passista criou armaduras contra a força de Cavaco. Agora, como já muita gente reparou, é muito difícil encontrar cavaquistas de relevo, com a amantíssima excepção de Manuela Ferreira Leite, a quem Cavaco Silva, no processo insano das “escutas de Belém”, destruiu a campanha eleitoral. A falta de pessoal é tão grande naquelas bandas que até António Capucho, o estratego da candidatura de João Salgueiro no congresso da Figueira da Foz, chega às vezes a ser identificado como “cavaquista”.

Apesar dos desatinos estratégicos de Cavaco na presidência – o caso das escutas de Belém e a dramatização do Estatuto dos Açores –, os últimos tempos do socratismo foram uma excelente bóia de salvação para o Presidente da República. A sua influência era medida em cada orçamento, em cada PEC, e foi o recurso dos banqueiros e dos pobres até às eleições antecipadas. Depois tudo mudou. Cavaco Silva não conseguiu nunca ser a favor do programa do governo (uma coisa “ainda mais longe” que o programa da troika) ou contra o programa do governo. Ficou ali no meio, exasperado com a maior das depressões para os animais políticos: a total volatilização do seu poder e influência. Em Portugal mandam Passos Coelho, Vítor Gaspar, Miguel Relvas. Acima desta trindade (e mais que eles) mandam a senhora Merkel e o parlamento alemão. Cavaco não manda rigorosamente nada.
Este caldeirão desagradável ferveu com uma gafe penosa que chocou o país – a das reformas e do “dinheiro que não chega para as despesas”. Os portugueses, ainda bastante contemporizadores com o governo, como dizem as sondagens, canalizaram o seu ódio latente para uma frase terrível da primeira figura do Estado. Azar dos Távoras, Cavaco não se consegue demarcar do governo nem do programa da troika – nem consegue ser um apoiante eficaz. Está ali no meio, a ver para onde param as modas, assistindo à erosão da sua influência e ao sucesso nas sondagens (ainda) de um PSD que lhe não é devedor. Qualquer um fugia.

Jornal I - Ana Sá Lopes

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