segunda-feira, 14 de maio de 2012

Mudar de vida?


Numa semana em que os resultados eleitorais em França e na Grécia deram o mote às notícias e novo alento aos que, por essa Europa fora, não acreditam nas receitas da senhora Merkel, em Portugal, o desemprego galopou para números catastróficos, ultrapassando largamente as previsões do governo e da União Europeia, tendo marcado o crescente descrédito das políticas de austeridade do governo e colocado em causa o cumprimento das metas do “equilíbrio orçamental”. É preciso lembrar, para perceber os efeitos dos caminhos trilhados, que nas “previsões de Outono” de 2010, a Comissão Europeia estimava uma taxa de desemprego em Portugal, para 2011, de 11,1 % e de 11,2%, em 2012. No primeiro trimestre deste ano já ultrapassou os 14% e a Comissão Europeia, prevê agora que atinja os 15,5% ainda este ano.
Os franceses despejaram Sarkozy do Eliseu, impedindo um presidente de cumprir um segundo mandato, facto raro na história da república francesa. Com esta decisão, os eleitores franceses quebraram a principal muleta em que a chanceler alemã se apoiava para distribuir pobreza e penitência nos territórios a sul do seu “Império”, o que não pode ser desprezado, sobretudo pelo que Hollande defendeu durante a campanha eleitoral. De modo diferente, mas no mesmo sentido, os gregos também não estiveram pelos ajustes e, perdidos por cem, perdidos por mil, fizeram um manguito à senhora Merkel, à troika e aos partidos políticos gregos que lhes querem impor mais fome e sofrimento, procurando trocar as voltas ao destino. Os resultados destas duas eleições complementam-se: quer a vitória de Hollande, em França, quer a “revolta eleitoral” grega, com a provável repetição das eleições, em Junho, obrigam a colocar em cima da mesa das Cimeiras Europeias novos problemas e a ensaiar novas soluções. Pelo menos, regressou ao léxico político europeu o crescimento, o emprego e a coesão, palavras malditas nos últimos dois anos. O que não é pouco.
Na semana em que o rumo para a miséria dos povos europeus, sobretudo os do Sul, definido pela senhora Merkel como o caminho da redenção, é posto em causa por franceses e gregos, o nosso primeiro--ministro, um dos mais zelosos partidários do “quanto mais pobre, melhor”, voltou a surpreender. Passos Coelho exortou os portugueses a adoptarem uma “cultura de risco” e considerou que o desemprego é “uma oportunidade para mudar de vida”. E concluiu a sua “brilhante” linha de pensamento, dizendo que os jovens e a população em geral preferem “ser trabalhadores por conta de outrem do que empreendedores”. É preciso estar muito afastado dos problemas dos portugueses, em geral, e dos desempregados, em particular, para proferir estas declarações copiadas das notas de rodapé dos desactualizados “manuais de economia” dos “Chicago Boys”. É insensibilidade social, naturalmente; mas, sobretudo, é a cega repetição de frases feitas da cartilha liberal, o que leva Passos Coelho ao ridículo de propor que, em período de recessão, com a banca descapitalizada, com milhares de empresas a encerrarem, mais de meio milhão de portugueses, sem dinheiro para comer, constituíssem empresas e assumissem o “risco” de “mudar de vida”. É uma “proposta” má de mais para sair da cabeça de um primeiro-ministro, o que revela o destino que nos está traçado com este governo.
PS – A senhora Merkel teve ontem mais um desaire eleitoral. Na Renânia do Norte-Westfália, segundo as últimas informações, os sociais-democratas obtiveram 38% dos votos, enquanto a CDU, encabeçada pelo Ministro do Ambiente, alcançou 25%. Os Verdes, parceiros de coligação do SPD, chegaram aos 12%. No entanto, como a chanceler alemã governa a Europa sobretudo a pensar na sua reeleição em 2013, é natural que endureça o discurso da austeridade e da “disciplina orçamental” para os países do Sul para convencer os eleitores alemães dos seus “prodígios” de gestão. Depois da saída de cena do senhor Sarkozy em 2012, a saída da senhora Merkel em 2013, abriria uma nova porta para a renovação da União Europeia.

Tomás Vasques - Jurista - Jornal I

Sem comentários:

Enviar um comentário