sábado, 7 de abril de 2012

Uma epidemia silenciosa que não se pode continuar a ignorar.


Quase 37% dos europeus não podem dar-se ao luxo de gozar uma semana de férias pagas e 8,8% tem pagamento de facturas correntes em atraso.”

Os dados do Observatório das Desigualdades de 2011 baseiam-se em estatísticas de 2009, ainda bem longe do pico da crise na Grécia ou em Portugal. Mas já nessa altura, 36,8 % dos europeus não podiam gozar uma semana de férias pagas anuais, 8,8% tinham facturas de bens e serviços por pagar e 8,7 % não tinham dinheiro para tomar uma refeição completa, em um de cada dois dias, com carne, peixe ou alimentos vegetarianos equivalentes.
As disparidades são grandes na rica União Europeia e absolutamente inaceitáveis em países como Portugal. Estas desigualdades gritantes não têm necessariamente a ver apenas com a pobreza de um dado país, mas antes com a distribuição da riqueza existente, por pequena que seja, numa dada sociedade. Em Portugal, 6,1% das pessoas tinham em 2011 facturas atrasadas por pagar de água, gás, telefone ou electricidade, e quase 64% não tinham qualquer hipótese de poder gozar uma semana de férias pagas anuais.
O risco de pobreza é maior em Portugal quando comparado com o resto da Europa desde 2010, segundo estatísticas publicadas pelo Eurostat. O risco de pobreza em Portugal ameaça quase três milhões de pessoas, especialmente jovens até aos 17 anos (28,7%). No nosso país um milhão de idosos sobrevive com 280 euros mensais.
Esses idosos e esses pobres são números estatísticos, mas também são pais, avós e irmãos de alguém. São pessoas. Não podemos assobiar para o lado e fingir que não se passa nada. Já muito boa gente classificou como “escândalo e exagero” os valores das remunerações de muitos gestores portugueses. Na verdade, a maioria desses gestores ganha muito dinheiro graças ao facto de as suas empresas actuarem num mercado indevidamente protegido e subsidiado por todos, incluindo os pobres.
Por exemplo, o presidente executivo da EDP, António Mexia, cuja remuneração é da ordem dos 1,04 milhões de euros, confrontado com a exorbitância defendeu-se dizendo que a sua empresa tem uma política de remuneração transparente e exigente. “Como sempre dissemos, isto é um assunto dos accionistas.”
Mas chegados a este ponto, esta questão só diz respeito aos accionistas? Accionistas de uma empresa que esmifra o consumidor com subsídios encapotados à produção de energias alternativas das quais é das principais beneficiárias?
Em 2011, no total, os sete elementos do conselho de administração da EDP receberam cerca de 6,09 milhões de euros, um valor suficiente para pagar o salário mínimo a 12 569 pessoas.
Esses salários milionários devem-se à excelência profissional dos que os auferem? Mas em que país eles vivem? A única explicação é que devem ter uma mente estratosfericamente brilhante em comparação com a dos miseráveis que ganham menos do que o salário mínimo. Isto não é demagogia. A gigantesca diferença desta equação social é inaceitável quando se fala de seres humanos.
É aceitável que alguém ganhe 2151 salários mínimos enquanto milhares de portugueses vivem com menos de 300 euros por mês? O idoso melhor remunerado de Portugal, o simpático Eduardo Catroga, aufere uma remuneração de 639 mil euros. Um ordenado mensal superior a 45 mil euros, que acumula com uma pensão de mais de 9600 euros. Provavelmente dirá que estamos a discutir “pintelhos”.
Já não digo que tudo isto seja uma imoralidade. Há muito que essa barreira foi ultrapassada neste país. Isto é desumanidade pura e simples. Não se pode falar em culpa também. É apenas desconsideração absoluta pelo ser humano nosso semelhante. Dirão os do costume: o país está a viver uma grave crise financeira, nada se pode fazer! Mas então, quando é que o Estado começa a cortar verdadeiramente nas suas despesas?
Então como se pode pagar levianamente 1650 milhões de euros em reequilíbrios financeiros até 2011 das Scut, só para dar um exemplo? Acham mesmo que os portugueses querem saber de quem é a culpa? O que os portugueses gostariam de ver era os culpados a responder pelos seus actos de negligência e gestão danosa. Continuem assim. Um dia, e disso já há muitos sinais evidentes, terão de viver em condomínios fechados com guardas armados e circular nas ruas com viaturas blindadas e vidros à prova de bala. Essa é a sociedade que estas pessoas de forma obstinada e egoísta parece que desejam atingir.
Sérgio Soares Jornal I.

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