quinta-feira, 12 de abril de 2012

No segredo dos deuses.


Pela calada, tentando passar entre os pingos da chuva sem que ninguém se apercebesse, na estratégica tarde de Quinta-Feira Santa e já depois de publicada a 1.a série do Diário da República, o governo surpreendeu com um novo pacote de cortes nas concessões previdenciais.
Os destinatários são, uma vez mais, os trabalhadores. Mas destes apenas aqueles que tivessem a pretensão de se fazerem valer do factor etário para sair da vida activa e requerer a reforma antecipada.
Escudado nas já cansadas preocupações de estabilidade orçamental e de protecção da sustentabilidade do sistema de segurança social, veio o governo decretar a suspensão das normas que permitiam aos portugueses requerer antecipadamente o acesso às pensões de velhice. Em causa estão os beneficiários que, tendo cumprido o prazo de garantia, tivessem pelo menos 55 anos de idade e, à data em que perfizessem essa idade, tivessem completado 30 anos civis de registo de remunerações. Note-se que estes beneficiários seriam já devidamente penalizados pelo tempo de antecipação relativamente à idade normal da reforma.
Menos de uma semana depois da entrada em vigor das alterações ao regime do desemprego, e doutorado nos ensinamentos retirados das anunciadas desvantagens de quem chegasse atrasado ao centro de emprego, de forma a travar quaisquer ideias de apressados que corressem com formulários preenchidos ao Centro Nacional de Pensões, este diploma entrou em vigor... na Sexta-Feira Santa!
As boas notícias são que (i) o congelamento só vigora durante o Programa de Assistência Económica e Financeira e que (ii) nem todas as reformas antecipadas foram postas “no cepo”. Deixou-se ainda uma brecha para os desempregados que, tendo esgotado o período de concessão do subsídio de desemprego, pretendam reformar--se antecipadamente.
Continuam, pois (por ora…), a poder usar o benefício da reforma antecipada os beneficiários que, tendo esgotado o período de concessão do subsídio de desemprego, tenham pelo menos 62 anos de idade, tenham cumprido o prazo de garantia e tivessem, à data do desemprego, idade igual ou superior a 57 anos. De igual modo, continuam a ter a sorte de poder recorrer à reforma antecipada os beneficiários que, tendo esgotado o período de concessão do subsídio de desemprego, tenham pelo menos 57 anos de idade e, à data do desemprego, tivessem idade igual ou superior a 52 anos bem como carreira contributiva de pelo menos 22 anos civis com registo de remunerações.
No primeiro caso (e até que o governo se lembre de os penalizar), os beneficiários podem reformar-se naquelas condições sem qualquer factor de redução; no segundo caso, os beneficiários são prejudicados com uma penalização.

Ficaram também salvaguardados do congelamento das reformas antecipadas os beneficiários que, adivinhando a surpresa, tivessem dado entrada dos pedidos no Centro Nacional de Pensões até à Quinta-Feira Santa.
O secretismo envolvido na preparação e na aprovação do diploma, bem como o timing da sua publicação, trouxeram ao pacato cidadão (que não tem tempo de digerir as notícias) um delicioso folar de Páscoa. Deve ser isto que o governo entende como uma boa estratégia de comunicação...

Inês Albuquerque de Castro - Advogada - Jornal I.

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