31 de Janeiro, é o dia nacional do Sargento português.
Não se trata de um acaso sem significado histórico a escolha
desta data. Ela foi seleccionada, porque, neste dia, em 1891, na cidade do
Porto, os sargentos da guarnição militar, acompanhados de dois ou três oficiais
de baixa graduação, fizeram sair para a rua uma revolta militar destinada a
proclamar — como, aliás, foi proclamada — a República como regime em Portugal.
Foram eles, os Sargentos, quem “limpou” a honra do Exército contra a afronta
ocorrida um ano antes, quando a Inglaterra enxovalhou internacionalmente a
Monarquia portuguesa, obrigando-a a transmitir ordens para Moçambique, fazendo
recuar uma pequena força militar que ocupava territórios que, segundo Londres,
estavam sob a protecção soberana da coroa britânica. Foi o célebre Ultimatum de
1890. Foi o começo do fim de uma Monarquia que já não tinha nem glória nem
dignidade para representar uma Nação. O Sargentos foram os primeiros a
pressentirem e a manifestarem o sentimento de revolta das Forças Armadas. Foram
ingénuos no modo como executaram a tentativa revolucionária, deixando-se
arrastar por um romantismo que socialmente vivia à flor da pele. Mas essa
ingenuidade só provou o lado bom dos Sargentos, despindo-os de interesseiras
intenções. Só queriam o que julgavam ser o regime mais representativo, mais
democrático e mais justo para Portugal. Muitos pagaram com a vida, com a prisão
e o degredo a ousadia de levarem pela frente um desejo que ainda não estava
suficientemente maduro no seio da sociedade nacional. Mas o exemplo ficou e
frutificou em 5 de Outubro de 1910.
Foi depois de outra
libertação — a de 25 de Abril de 1974 — que os Sargentos, por iniciativa de uns
quantos, num 31 de Janeiro de um ano que já não recordo, resolveram juntar-se
num almoço para arvorarem essa data no dia da sua classe. Ainda não se falava
em associativismo militar e, muito menos, em Associação Nacional de Sargentos.
Mais uma vez, eles, com a força da sua vontade, de peito aberto, saíram a
terreiro e, sem o apoio de nenhuma instituição castrense, proclamaram que
tinham o direito a ter o seu dia, um dia glorioso, não por celebrar uma
vitória, mas por recordar o sonho da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
O meu Pai, primeiro
sargento enfermeiro da Armada, já nessa época distante, na situação de reserva,
embora na efectividade de serviço, respondeu à chamada dos seus camaradas e lá
foi, salvo erro, para Almada, Cacilhas ou Laranjeiro, comemorar o dia nacional
do Sargento.
Confesso que foi com orgulho que o vi tomar essa iniciativa,
porque, estando ele há muitos anos na situação de reserva, poderia sentir-se
desligado das obrigações morais que tinha para com os seus camaradas. Mas o meu
Pai, humanista e estudioso da política nacional e internacional, culto, dado à
poesia e ao jornalismo, julgou que a classe militar de onde provinha pudesse
precisar dos seus serviços e prontamente se apresentou, marcando presença e
engrossando a cadeia humana que se estava a formar. No orgulho que senti
floresceu o exemplo com que sempre me havia ele balizado a existência.
Os anos sucederam-se
uns atrás dos outros; estou próximo de ser mais um septuagenário militar a quem
resta o orgulho de ter servido a Pátria onde, quando e nas condições por ela
ditadas. A minha arma hoje é a palavra. Esgrimo-a com a mesma vontade com que,
há quase cinquenta anos, escolhi a carreira castrense para ser útil à
sociedade. Recordar o meu Pai, a classe de Sargentos e o 31 de Janeiro são
obrigações que assumo com prazer e alegria, porque, quanto mais o tempo passa,
mais próximo me sinto das minhas origens familiares.
Luís Alves de Fraga
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