terça-feira, 20 de outubro de 2009

Saramago diz que não vai por aí


Jean Barois foi um rapaz do meu tempo, porque no meu tempo de rapaz (anos 60) ainda se liam histórias do princípio daquele século. Roger Martin du Gard escreveu, 1913, O Drama de Jean Barois, a história de um jovem católico que, em adulto, descrê porque a Ciência lhe explica tudo; mas, velho, Barois retoma a fé antiga. Martin du Gard, que será Nobel em 1937, conta o drama sem tomar partido, mas deixando-nos com a suspeita de que o trajecto é inevitável.

Do nosso sucessor de Roger Martin du Gard, José Saramago, não sei se em jovem acreditou. Sei é que, chegado a idade quase bíblica, não se deixou intimidar pela hipótese - mesmo para o mais férreo dos ateus, hipótese (que parece que se avoluma com a idade) - de vir a prestar contas depois desta vida. Pois Saramago diz que não vai por aí, como outro poeta português já o disse, e tão pouco português é, no ser radical. Saramago diz que escreveu Caim porque é "contra toda e qualquer religião". E das religiões, todas, ele diz o que quer: "Acabar com elas." Da tarefa, não tem ilusões: "Não será possível, mas ao menos tentemo-lo." Ser velho e continuar a tentar - e nessa coisa tão íntima e temível que é a religião, e indo a contracorrente - é simplesmente admirável.

Ferreira Fernandes

Sem comentários:

Enviar um comentário