quarta-feira, 14 de abril de 2010

Crimes da Igreja – Em nome do Senhor.


No início deste ano, o Papa Bento XVI citou Jesus Cristo para se referir aos casos de abuso sexual de menores na Igreja Católica: “ Os que escandalizam as crianças merecem que lhes coloquem uma mó de moinho ao pescoço e os atirem ao mar”. Embora em discurso figurado, o Papa sugeriu uma punição para os clérigos criminosos, ou seja, uma mudança no discurso apologético que se iniciou na década de 90 com João Paulo II – um discurso que reconhecia culpa na actuação da Igreja, mas que não apresentava reparações ou castigos. Nesses anos, João Paulo II lamentou a excomunhão e maldição dos católicos ortodoxos, a conversão forçada dos sérvios durante a II Guerra Mundial, o saque de Constantinopla, admitindo ainda que Galileu, preso pela Inquisição em 1632, estava certo ao dizer que a Terra não era o centro do Universo. O furor apologético do Vaticano atingiu o seu ponto mais alto em 2000, ano do Jubileu, quando o Cardeal Pietro Marini, em nome do Papa, produziu e mandou ler nas igrejas de todo o mundo uma lista que começava assim: “A referência a erros e pecados deve ser séria e capaz de especificar a culpa. No entanto, tendo em conta os pecados cometidos ao longo de vinte séculos, tem, necessariamente, de ser bastante resumida.” E esta era, resumidamente, a lista: Cruzadas, Inquisição, perseguição de judeus, tortura institucionalizada, injustiças para com as mulheres, conversão forçada de povos indígenas, e escravatura. No entanto, além das Cruzadas e de Galileu, tão longe no tempo, há um passado mais recente de crimes e omissões.
1. Irlandagate.
Em 2000, deu-se inicio a investigação conhecida como Ryan Report, que questionou milhares de vítimas, clérigos e funcionários de escolas e orfanatos na Irlanda que, sendo estatais, eram geridos pela Igreja. O Relatório Ryan, publicado em 2009, refere que as violações eram endémicas nos orfanatos e escola para rapazes, na sua maioria geridas pela ordem Christian Brothers. Nas instituições femininas, a cargo da ordem Sisters of Mercy, as raparigas sofreram menos abusos sexuais, mas eram sacos de pancada.
O Relatório concluiu ainda que os funcionários eclesiásticos protegeram de forma contínua os pedófilos, no que considera ser “uma cultura ao serviço do secretismo.” Entre as décadas de 30 e 90, sempre que confrontados com os abusos, as autoridades religiosas limitavam-se a mudar os criminosos de instituição, e a violência continuava noutro lugar.
2. O Cardeal sem lei.
Em 2002, sob pressão da comunidade e de elementos da Igreja, o Arcebispo de Bóston, Bernard Law, demitiu-se do cargo por ter sido revelado que ele sabia da actuação de padres que molestavam crianças. Mas tal como na Irlanda, esses sacerdotes eram mudados de lugar nos EUA, e os crimes repetiam-se. Uma investigação liderada pelo Procurador-geral do Estado de Massachusetts produziu um relatório publicado no final de 2003, afirmando que mais de 1000 crianças foram abusadas sexualmente por padres católicos, ao longo de seis décadas na arquidiocese de Bóston.
Sem prestar contas à Lei dos Homens, Law mudou-se para Roma onde, como Cardeal participou na eleição do Papa Bento XVI e onde tem a seu cargo a Basílica de Santa Maria Maggiore, uma das maiores de Roma.
3 . Tempos de Guerra
O Papa é o líder máximo da Igreja, mas também é um chefe de Estado. Como tal, o Vaticano, ao longo da história, tem negociado com outros Estados de forma a proteger os seus interesses. Sobre as actividades diplomáticas do Vaticano, pode dizer-se que estão mais próximas dos ensinamentos de Maquiavel e menos inspiradas na palavra de Cristo. O Vaticano foi o primeiro estado a assinar um acordo com Mussolini. Quatro anos mais tarde, em 1933, fez o mesmo com Hitler. Durante a II Guerra Mundial, o Vaticano manteve-se oficialmente neutro. Mas, no território que mais tarde se tornaria Jugoslávia, padres católicos foram cúmplices no extermínio de milhares de sérvios, judeus e ciganos.
O posicionamento do Papa durante a II Guerra Mundial prova que a Igreja Católica não é apenas uma religião que se rege apenas pelas Sagradas Escrituras. Tal como qualquer outro Estado é participante da “real politik”, faz parte desse jogo de interesses e desengano, tal como fizeram, durante a Guerra, a Espanha de Franco ou o Portugal de Salazar – aliás, a bênção da Igreja às duas ditaduras ibéricas não é segredo. O Vaticano andou de mão dada com regimes que perseguiam, torturavam e matavam. Tanto em Espanha como em Portugal, a Igreja colaborou com os ditadores para impor a sua moral e as suas leis.
4. Banqueiros de batina.
O argumento, de tantas vezes usado, já perdeu força. Mas a pergunta ainda tem validade: se Jesus Cristo disse que era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus, por que razão é o Vaticano um aglomerado de luxo e ostentação dourada? Este pequeno Estado soube, por exemplo, escapar à recente crise financeira. Nos meses anteriores ao colapso dos bancos, o Vaticano retirou os seus investimentos de instituições financeiras e concentrou-se no ouro e no mercado imobiliário. Em 2008, a fortuna do Vaticano estava avaliada em 1.5 mil milhões de euros.
Na década de 80, o Instituto de Obras Religiosas (IOR), banco oficial da Santa Sé, viu-se envolvido num escândalo financeiro do qual resultou o homicídio de Roberto Calvi. Lavagens de dinheiro da Máfia Italiana e dos traficantes de droga sul-americanos. O Arcebispo Marcinkus, protegido pelo Vaticano, nunca foi a tribunal, apesar de investigado pelas autoridades italianas e americanas.
5. Mãe África
É o continente onde, diz a Ciência, nasceu o Homem. No entanto, parte da Igreja nega a Teoria da Evolução das Espécies, enquanto outra tenta uma coexistência pacífica entre o simbolismo de Adão e o aparecimento do Homo Sapiens. È verdade que algumas organizações religiosas realizaram nas últimos décadas um trabalho meritório em África, mas também é verdade que a Igreja Católica contribuiu para muitos dos cataclismos do continente – começando pela escravatura, passando pela conversão forçada dos povos indígenas e acabando na proibição do uso do preservativo como forma de prevenir a propagação da sida. Não esquecendo o Ruanda, o pais mais católico de África, cerca de 80% da população – onde padres e bispos apoiaram, durante anos, as teorias raciais que resultaram, na década de 90, no genocídio levado a cabo pela etnia hutu: 800 mil tutsis foram chacinados.
6. In nomine domini
Não se pode ocultar o trabalho benemérito da Igreja, mas também não se pode aceitar os seus crimes. Desde 1962 que as instruções do Vaticano, sobre abusos, são claras: perante qualquer denúncia, a prioridade é o secretismo. Tudo isto, porque a Igreja se tem em demasiada conta, acredita na sua infalibilidade, esquecendo-se que foi concebida por humanos e que muitas das suas regras – o celibato ou a ordenação de mulheres – nem sequer aparecem nas escrituras. São invenções dos homens, numa época em que não se sabia sequer que a Terra era redonda e em que a superstição se misturava com a necessidade de controlar os fiéis. Porque se considera dona de uma verdade única, não acessível a todos os homens, a Igreja e os seus lideres têm-se num patamar moral mais elevado, logo mais importante – um Bispo é mais susceptível de ser protegido do que um órfão de um país qualquer. Mas afastando essa noção de infalibilidade – segundo a doutrina, o Papa é escolhido por Deus – pode ser que a Igreja funcione apenas como tantas outras organizações criadas pelos homens, sejam governos de países, bancos de investimento ou exércitos guerrilheiros. Uma coisa é certa: se, em vez de santos infalíveis, os papas fossem apenas presidentes de uma grande multinacional de infantários, onde se praticassem abusos sexuais, as suas vestes brancas já não nos pareciam tão impolutas. Nem o seu silêncio seria perdoado.

Hugo Gonçalves – Maxmen Abr/2010.

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