quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A história da mina da Amoreira.


Um antigo local de abastecimento de água na aldeia da Amoreira, em Óbidos, conhecido popularmente por “mina”, é um exemplo bastante curioso que tem recentemente merecido atenção. Para muitos constitui um desafio e um enigma para explicar as suas origens. O certo é que esta estrutura não passa despercebida. Da primeira vez que a observei fiquei curioso em descobrir alguns pormenores que me pudessem revelar informação acerca da sua idade e do seu contexto. Existe algum padrão de construção que permita revelar esta informação?
Embora se utilize o termo “mina”, a estrutura de abastecimento, possuindo uma construção abobadada peculiar com pequenas frestas horizontais, beneficia de um fornecimento de água vindo do exterior. À entrada, uma pequena porta conduz-nos, através de um corredor, para o interior circular que serve do local de abastecimento. O mesmo revela alguma informação adicional sobre a actual função do imóvel. Mas terá sido essa a sua função original? Será que existem construções idênticas no concelho que explicam a sua existência tendo em conta a sua dimensão e a sua arquitectura?

No concelho onde encontramos uma variedade de construções de captação e de abastecimento de água, podemos destacar a sua presença como única no meio de tantas construções rudimentares, de feição popular, aproximando-a, no entanto, de modelos nobres visíveis nas quintas históricas locais. A sua construção continua a ser enigmática para um conceito de reservatório que veio a ser representado sob uma forma emblemática e invulgar. É continuador de uma tradição de reservatórios de água que eram erguidos neste concelho no período anterior, embora não tenham possuído esta tipologia exacta.

A resposta a essas perguntas é bastante complexa, mas baseado em pesquisas e no conhecimento adquirido ao longo destes anos de trabalhos de campo em prol do património rural, podemos revelar alguma informação, que não será totalmente especulativa. Conduzir-nos-á a uma possível explicação acerca da época da sua construção e do seu contexto.

Uma referência curiosa na obra Memórias Históricas e diferentes apontamentos, à acerca das antiguidades de Óbidos (Reimpressão, Imprensa Nacional Casa da Moeda/Câmara Municipal de Óbidos, 2001) pode explicar o porquê da sua arquitectura circular.

Fala-se de uma iniciativa de erguer uma ermida. Lê-se o seguinte: «Deram princípio a uma grande ermida, que se vê começada com grandeza, porém não passou dos alicerces; é de figura redonda». Esta informação permite inferir que o reservatório que existe na actualidade muito possivelmente terá começado originalmente para ser uma ermida, tendo sido convertida e acabada, já no século XIX, como um local de abastecimento de água. Esta função original nunca chegou a ser concretizada, dado à decadência da aristocracia local que originou no abandono do seu património e na divisão das grandes propriedades. Ainda hoje a aldeia da Amoreira orgulhosamente testemunha alguns vestígios da aristocracia obidense, principalmente ligada à família Sá e Mello, que tem um capítulo próprio na história da região.

A confirmar e fundamentar esta hipótese, temos em consideração que o século XVII marca a fase de construções de pequenas ermidas e oratórios de plano circular, inserida no ciclo barroco em Portugal. Existem vários casos, a nível nacional, das ermidas que se aproximam da tipologia da Amoreira. O concelho de Óbidos terá sido um local importante para a implantação da ideologia cristã no período barroco através de criação de novos locais de culto, especialmente sob o patrocínio da nobreza local.

Este caso concreto não iria ser o único no concelho. Em termos etnográficos, esta associação da ideia do reservatório e da ermida evocam a própria sacralidade da água.

Associados à água, encontramos, em Óbidos, vários aspectos que definem a identidade do rural obidense, principalmente na religião, nos hábitos sociais e culturais (práticas e superstições), no folclore, na tradição literária e oral (poesias e lendas) e na exploração territorial (topónimos locais).

O interior deste imóvel, igualmente, revela alguns dados interessantes.

Assumindo que tenha sido convertido num reservatório de água, baseado nos depoimentos recolhidos de habitantes locais, que confirmam a presença de um “aqueduto” subterrâneo que conduz água de uma nascente para o seu interior, podemos excluir a hipótese que este seja um local da nascente propriamente dito. Exclui-se, igualmente, a possibilidade de ser um poço vertical ou uma fonte horizontal. Ou seja, confirma-se a hipótese que o espaço tenha sido utilizado para abastecer água de um local próximo, não sendo, porém, esta a função original que ordenou a sua construção.

Há um registo curioso, a lápis, na parede do seu corredor que refere ao reservatório como uma «nascente terminal», ou seja, ele é o ponto final do sistema de captação de uma nascente. Segundo a informação revelada por antigos trabalhadores que estiveram envolvidos no seu abastecimento de água, através de depoimentos e registos cronológicos que deixaram marcados, este reservatório levava entre 45 a 90 segundos a encher 20 litros de água (segundo as análises realizadas ao longo do século XX). Surge uma data posterior de 1882 (?) rabiscada no reboco da parede, muito provavelmente referente à data de construção do corredor ou da reconversão do imóvel a partir da sua função original.

Seja qual for a conclusão final, este local é digno de ser preservado e estudado como um caso interessante referente à época e ao contexto em que foi erguido.

Igualmente, se destaca a sua presença arquitectónica e histórica como símbolo do património de água. Serei muito feliz e satisfeito caso esta hipótese venha a ser contestada, em interesse do conhecimento. Será igualmente um momento de orgulho caso alguém se manifeste o interesse em continuar a investigar sobre esta estrutura enigmática.

Saikiran Datta

Investigador

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