O Governo quer suprimir feriados, a fim de estimular a
"competitividade" e endireitar as finanças públicas. É um projecto
ideológico, e uma continuidade de ideias e de processos de poder,
demonstradamente autoritários. A Igreja está de acordo com ceder dois deles à
hipótese governamental. Quanto aos feriados civis, prevê-se a abolição dos que
comemoram o 1.º de Dezembro e o 5 de Outubro. Não é tão absurda como parece,
esta circunstância. E o jogo de compromissos salta à vista, o que torna o
assunto repugnante. As "cedências" da Igreja recaem em dois feriados
"menores", se assim me posso exprimir (Corpo de Deus e Dia da
Assunção de Nossa Senhora); mas os civis possuem uma forte conexão com argumentações
históricas, aliás assinaladas num documento tornado público por professores
catedráticos e investigadores.
A arteirice de que estas quatro eliminações ajudam à
produção nacional não passa de isso mesmo: um ardil, que deveria envergonhar
quem o propõe. O pobre Álvaro Santos Pereira, ele, sim, que dá a cara e é uma
das causas das nossas insatisfações, fala na virtualidade estrutural da
anulação dos feriados como quem resolve os nossos problemas de
"competitividade." O homem, averiguadamente, não sabe o que diz. E
ignora os documentos europeus sobre o trabalho, que nos colocam entre aqueles
com maior quantidade de horas nos ofícios e nos mesteres.
Quando o extraordinário ministro afirma, por exemplo, que o
5 de Outubro será assinalado no domingo seguinte, como resolverá o ritual dos
actos no Parlamento e no município? O hastear da bandeira, na câmara, pelo
Presidente da República, vai ser adiado? O dislate causa compaixão. E as coisas
complicam-se ainda mais quando António Costa declara que não alterará nenhuma
das cerimónias habituais. Qual o papel do Dr. Cavaco neste imbróglio? E como se
sairá o Executivo desta declarada confrontação?
O Dr. Passos Coelho comprou uma briga desnecessária.
Indispôs republicanos, monárquicos com uma espécie de assunção autoritária, que
adiciona, ao mal-estar geral, mais uma parcela de surda indignação. Surda, isso
mesmo. Porque, na verdade, Mário Soares limitou-se a desacordar da ideia, assim
como António José Seguro, com escassas aparências de repulsa. A esquerda que
resta reduz-se a enunciações inoperantes.
E, no entanto, sobretudo o 5 de Outubro, além da efeméride
que representa, foi um símbolo da Resistência ao fascismo. Salazar não permitia
a sua celebração. Os que, mesmo assim, enfrentando espancamentos e até a
cadeia, desciam às ruas para festejar a data nunca a esqueceram, durante o meio
século que durou o salazarismo. A tentativa de amnésia histórica encontrou
sempre a resposta contrária e corajosa de muitos homens e mulheres. É um dia de
libertação e de liberdade que este Governo parece desejar ocultar. Mas a que os
melhores de nós, certamente, se oporão.
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