A administração local é a maior incubadora da corrupção em
Portugal. A alteração do plano director municipal (PDM) ou projectos por
interesses económicos ilegítimos é uma das principais motivações dos actos
corruptos, sendo registada em 50 dos 345 casos analisados pelo Ministério
Público entre 2004 e 2008. Os dados são de um estudo do Instituto de Ciências
Sociais (ICS) que mostra que as alterações estão normalmente associadas ao
“nepotismo, favoritismo, clientelismo e conflito de interesses”.
Um ex-autarca do
Porto e uma antiga administradora da área do urbanismo em Lisboa – que lutaram
contra ilegalidades – explicam como funcionam as negociatas e contam que
pressões sofreram.
O estudo intitulado
“A corrupção participada na administração local em Portugal (2004-2008), elaborado
por Inês Lima em 2011, tem por base uma anterior investigação do ICS (realizada
em colaboração com o Departamento de Investigação e Acção Penal) e teve como
amostra 345 processos instaurados por corrupção.
O trabalho –
apresentado como tese de mestrado – inclui um levantamento das motivações do
ato corrupto. A “alteração do PDM ou projectos” apenas é batida pelo “desvio de
verbas/apropriação de dinheiro” (80 casos). A análise foi coordenada pelo
sociólogo e autor de estudos sobre a corrupção, Luís de Sousa, que explica ao
DN que “a nível local um dos principais focos de corrupção está na área do
urbanismo e, acima de tudo, na fase de planificação, onde se incluem os PDM”. O
professor do ICS lembra que “uma linha de PDM pode representar diversos metros
quadrados”.
O estudo diz ainda
que, entre os arguidos nos processos de corrupção, os políticos dominam (27,6%
dos sujeitos passivos), seguidos dos “quadros superiores da administração
pública, dirigentes e quadros superiores de empresas” (21,4%).Luís de Sousa
explica que “temos um urbanismo que responde muitas vezes aos interesses
instalados: o director de um serviço aprova uma alteração e depois o edil não
quer levantar problemas, porque muitas vezes trata-se de um investimento e o
investidor pode ser o financiador da sua campanha eleitoral”.
Uma luta quixotesca
Alvos de pressões
políticas foram o antigo vice-presidente da Câmara do Porto, Paulo Morais, e a
antiga presidente da Sociedade de Requalificação Urbana de Lisboa, Maria Teresa
Goulão. O antigo “vice” de Rui Rio conta ao DN que “os promotores não estão
habituadas a que alguém lhes trave os projectos”. Foi por isso que enquanto
esteve na câmara do Porto era pressionado por “colegas vereadores, gente do
partido e promotores”. No fundo, pediam-lhe que contornasse a lei para que
outros ganhassem milhões. Recusou entrar no esquema e a sua saída da autarquia
tornou-se inevitável, embora ilibe o ainda presidente dessas manobras.
Paulo Morais é
bastante crítico da forma como as coisas são geridas a este nível, denunciando
que “o que temos hoje não são PDM, são bolsas de tráfico de solos. A entidade
que arbitra, as autarquias, não é imparcial, pois arbitra em favor daqueles que
têm influência política.” O ex-autarca classifica a urbanização como um
“negócio que dá lucros de 800%/900%, que só tem paralelo em Portugal com o
tráfico de droga e, tal como essa área, tem máfias e negócios escuros
envolvidos”.
Enquanto vereador,
reprovou imensos projectos por serem uma “imoralidade”. Entre os seus cavalos
de batalha destacam-se casos como o da Quinta da China, o Sport Clube do Porto
e o campo de treinos do Salgueiros.
Quem também enfrentou
a corrupção foi Maria Teresa Goulão. “Uma batalha de D. Quixote. Sozinha. Sofri
uma pressão feita em termos muito graves de pessoas com enormes
responsabilidades e a quem eu belisquei algum interesse.”
Teresa Goulão
considera que as negociatas ao nível de solos são “a morte silenciosa de
Portugal”, criticando a “impunidade” que reina no País. Responsável pelas
questões do urbanismo na associação Transparência e Integridade, Associação
Cívica (TIAC). Teresa Goulão fez um levantamento de vários dos casos polémicos
no sector. Uns prescreveram, outros foram arquivados, e até houve condenações.
A TIAC vai, aliás,
dedicar este ano às questões ambientais, porque o tempo urge. Todos os anos,
como explica a consultora ambiental, “a expansão urbana faz que a União
Europeia perca uma superfície de solo maior do que a cidade de Berlim (dez
vezes o tamanho de Lisboa). E Portugal continua sem um levantamento dos solos
contaminados. “A falta de uma política e de uma lei dos solos actual constitui
fonte de muitos crimes de corrupção e tráficos de influências”, alerta Teresa
Goulão. O que os motiva? “Abancas políticas e de corporação: o dinheiro não tem
cor.”
RUI PEDRO ANTUNES - DN
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