Os autarcas são os reis e senhores dos partidos. A factura
já chegou a S. Bento.
Pedro Passos Coelho apresentou ontem a sua recandidatura à
liderança do PSD. Ao seu lado, como sempre, lá estava Fernando Ruas, presidente
da Câmara de Viseu, pai das rotundas portugueses e também presidente da
Associação Nacional de Municípios. Dito isto, percebem-se muito bem as
dificuldades do poder político, do governo, do independente e rigoroso ministro
das Finanças e da própria troika em pôr na ordem o poder local. Há muitos anos
que tomaram o freio nos dentes e não há crise, austeridade e sacrifícios que os
comovam. Os autarcas do bloco central, do PSD e do PS, que controlam mais de
90% das autarquias do país, são os verdadeiros donos dos partidos e os
padrinhos de todos os líderes. Não há vitórias eleitorais sem o apoio empenhado
dos autarcas e também não há financiamento partidário sem a boa vontade dos eleitos
locais.
O governo, este e os que o antecederam, está prisioneiro
desta lógica perversa, em que o poder local dita as regras do jogo, bate o pé
quando algo não é do seu agrado e consegue, sem excepção, levar a água ao seu
moinho. É por isso que a carta enviada pelos ministros Vítor Gaspar e Miguel
Relvas aos municípios, suplicando-lhes que divulguem todos os calotes e não
escondam cadáveres nos armários, é perfeitamente patética. Apelar ao
patriotismo, ao sentido de Estado, à lealdade, à credibilidade e à responsabilidade
dos autarcas é admitir que o poder central é incapaz de se impor e de se fazer
respeitar pelos autarcas.
No fundo, é a confissão de uma total impotência para levar a
lei e a ordem aos 308 municípios. Esta impotência não é de agora. Já se
manifestou quando o governo desistiu de avançar com a redução de câmaras
municipais, recuou nos limites ao endividamento e abriu uma série de excepções
à redução de funcionários. E mesmo no escandaloso dossiê das empresas
municipais ainda é cedo para se perceber o que vai realmente acontecer.
É patético ver um governo no poder há oito meses saber tudo
o que se passa nas empresas públicas, na administração central, nas regiões
autónomas e nos bancos e continuar às cegas quanto às dívidas das câmaras e dos
seus inúmeros apêndices empresariais. Se não fosse uma tragédia, dava uma
excelente anedota. O rigor, a austeridade e até os elogios da troika ao
cumprimento do Memorando encalham no querido poder local. Ainda ontem, na
conferência de imprensa dada por Vítor Gaspar sobre a terceira avaliação
externa, o ministro das Finanças não escondeu uma certa ironia quando afirmou
que sabia da existência de um número sobre as dívidas das câmaras, mas não se
lembrava qual era. Pois não, senhor ministro. Não sabe o senhor e muito menos o
ministro que tutela os senhores que mandam nos partidos e impõem a sua lei ao
país. O poder local anda há muito tempo a brincar com as empresas e com o
trabalho de milhões de portugueses.
Faz muitas obras de fachada, em particular nos anos em que é
preciso captar os votos do eleitorado, e demora eternidades a pagar as
facturas. E ninguém o põe na ordem. Percebe-se porquê. É que quem manda pode. E
quem manda neste país, infelizmente, já não é o Terreiro do Paço. Por obra e
graça dos degradados pilares desta pobre e miserável democracia de mão
estendida.
Jornal I - António Ribeiro Ferreira
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