“Impedimento” é a nova entrada no dicionário político do
cavaquês. “Impedimento” igual a fuga, dificuldade em enfrentar a rejeição,
temor das multidões, síndrome de ataque de pânico face a uma situação de risco.
Apesar de “impedimento” ter sido introduzido ontem, estes significados da
palavra foram uma constante da história política de Aníbal Cavaco Silva. Basta
lembrar a overdose de agentes de segurança, uma proverbial imagem de marca do
actual Presidente desde os tempos em que era primeiro-ministro e tinha um país
pacífico aos pés. O aparato era substancial também nas idas à praia.
Cavaco Silva não mudou grande coisa. Infelizmente para ele,
mudaram as circunstâncias. A sua capacidade de influência praticamente
desapareceu desde que o governo é liderado por Pedro Passos Coelho, um notório
anticavaquista desde os gloriosos tempos em que era muito difícil ser- -se
anticavaquista. A geração social-democrata que está no poder, que cresceu com o
cavaquismo, tornou- -se adulta precisamente no auge da sua decadência, lá no
meio dos anos 90. Na sequência deste processo, a geração passista criou
armaduras contra a força de Cavaco. Agora, como já muita gente reparou, é muito
difícil encontrar cavaquistas de relevo, com a amantíssima excepção de Manuela
Ferreira Leite, a quem Cavaco Silva, no processo insano das “escutas de Belém”,
destruiu a campanha eleitoral. A falta de pessoal é tão grande naquelas bandas
que até António Capucho, o estratego da candidatura de João Salgueiro no
congresso da Figueira da Foz, chega às vezes a ser identificado como
“cavaquista”.
Apesar dos desatinos estratégicos de Cavaco na presidência –
o caso das escutas de Belém e a dramatização do Estatuto dos Açores –, os
últimos tempos do socratismo foram uma excelente bóia de salvação para o Presidente
da República. A sua influência era medida em cada orçamento, em cada PEC, e foi
o recurso dos banqueiros e dos pobres até às eleições antecipadas. Depois tudo
mudou. Cavaco Silva não conseguiu nunca ser a favor do programa do governo (uma
coisa “ainda mais longe” que o programa da troika) ou contra o programa do
governo. Ficou ali no meio, exasperado com a maior das depressões para os
animais políticos: a total volatilização do seu poder e influência. Em Portugal
mandam Passos Coelho, Vítor Gaspar, Miguel Relvas. Acima desta trindade (e mais
que eles) mandam a senhora Merkel e o parlamento alemão. Cavaco não manda
rigorosamente nada.
Este caldeirão desagradável ferveu com uma gafe penosa que
chocou o país – a das reformas e do “dinheiro que não chega para as despesas”.
Os portugueses, ainda bastante contemporizadores com o governo, como dizem as
sondagens, canalizaram o seu ódio latente para uma frase terrível da primeira
figura do Estado. Azar dos Távoras, Cavaco não se consegue demarcar do governo
nem do programa da troika – nem consegue ser um apoiante eficaz. Está ali no
meio, a ver para onde param as modas, assistindo à erosão da sua influência e
ao sucesso nas sondagens (ainda) de um PSD que lhe não é devedor. Qualquer um
fugia.Jornal I - Ana Sá Lopes
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