Portugal é um país sério, como se vê pela sua história.
Infelizmente, foi governado de forma pouco séria durante uma parte
significativa dos séculos XIX e XX. O poder foi, frequentemente, tomado de
assalto por pequenos grupos, que a cultura dominante acolheu. A base social em
que a direcção do país assenta alargou-se após a Revolução de 1974, mas na
prática permanece restrita e limitada a uma pequena elite. Embora esta elite
seja hoje mais vasta que no passado, é a mentalidade que conta. Portugal não é
ainda uma sociedade aberta.
Mesmo países muito
desenvolvidos tendiam até muito recentemente (digamos, até ao final da década
de 1960) a manter-se relativamente fechados. Quem, a título de exemplo, negaria
o domínio da minoria anglo-saxónica branca nos EUA e das classes mais altas em
Inglaterra até àquela época? As tradições democráticas nesses países não
puseram verdadeiramente termo a esta situação; na prática, só os membros do
clube tinham verdadeiro poder. Mesmos os mais empreendedores tinham dificuldade
em obter financiamento. Foram as necessidades económicas e de crescimento que
ditaram a mudança e a passagem a uma sociedade aberta onde os direitos humanos
ou os direitos das mulheres ou de outras minorias eram respeitados.
Em Portugal, o
processo de abertura tem vindo a atrasar-se, podendo até dizer-se que a
Revolução de 1974 nunca chegou a ser concluída e que a mentalidade antiga
parece ainda prevalecer. Nem mesmo os governos socialistas consideraram que
esta abertura constituísse uma prioridade. Pelo contrário, políticos de todas
as ideologias usaram as ferramentas ao seu dispor para tentar aderir a este
pequeno grupo dirigente, adoptaram o seu espírito o mais rapidamente que
conseguiram, e ajudaram a mantê-lo fechado em troca do seu acolhimento e do das
suas famílias. O país enferma deste vício mais do que muitas pessoas pensam ou
do que é imediatamente visível.
Muito embora não
considere o ensino português deficiente, a taxa de abandono escolar no ensino
secundário é invulgarmente alta. O motivo é claro: os pais não vêem no ensino
grande benefício, numa sociedade que sentem como pouco acolhedora e onde as
cunhas serão sempre determinantes.
Ao sucumbir a um
“esquema” político na nova gestão da CGD, o novo governo demonstrou, quase
antes de estar constituído, que permanece profundamente arreigado a este mundo
de nepotismo ou àquilo que na prática é uma forma de corrupção profundamente
enraizada, e que deixa muitas dúvidas relativamente ao progresso económico.
Portugal não constitui caso isolado – o caso da Itália ocorre imediatamente à
nossa mente, e certamente o da Grécia – pelo que não se pode depositar grande
confiança numa mudança de mentalidades.
Fala-se de fraquezas
macroeconómicas, da deterioração do sistema bancário, da sobreprotecção do
emprego, de um sistema de previdência social que, em Portugal, tal como no
resto do mundo, é incomportável e foi tomado de assalto pela classe média, da
falta de crescimento. Tudo isto são assuntos válidos e sérios, mas é a
componente social e cultural que constitui a característica decisiva. Não
consta da lista da troika, que poderá não compreender o assunto em toda a sua
dimensão ou querer envolver-se no mesmo, mas ao não lidar com esta componente
Portugal reduz-se, por escolha própria, ao nível dos países em desenvolvimento,
o que, em última análise, é sinónimo de declínio. Com esta postura, o país não
conseguirá renovar-se adequadamente, retomar o crescimento e alcançar os outros
países.
Infelizmente, muitos acreditam que será necessária uma crise
ainda maior para que o país mude os seus hábitos. Isto significa que só uma
catástrofe alcançará este objectivo. Trata-se de uma falha da democracia, que
afinal só é capaz de se autolimitar pela adversidade. Um bom político veria
aqui uma grande oportunidade: recuar para expectativas mais realistas no quadro
de um forte programa de reforma social e não apenas económica. Uma maneira de o
fazer? Quem quer que proponha uma tia, primo ou amigo para um novo emprego será
imediatamente despedido!
Jan Dalhuisen
Professor catedrático
Universidade da
Califórnia (Berkeley), King’s College (Londres) e Universidade Católica
Portuguesa (Lisboa)
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