Eis a história da imagem de uma
manifestante a abraçar um agente da polícia de intervenção que está a correr a
web e os jornais estrangeiros.
“Porque é que estão aqui?”
“Estou
aqui porque é o meu trabalho.” “Mas não preferias estar connosco, deste lado?”
Tal
como há imagens que valem por mil palavras, há silêncios com a mesma força. Foi
o caso da não resposta do agente do corpo de intervenção à pergunta que Adriana
lhe fez antes de o abraçar, numa imagem-símbolo da manifestação “Que se lixe a
troika! Queremos as nossas vidas” do passado sábado, que juntou quase um milhão
de pessoas em 40 cidades contra a situação desesperante do país.
Ao
contrário do que algumas pessoas têm dito em comentários à fotografia, Adriana
não foi contratada por nenhuma agência de publicidade, nem tão pouco é familiar
do agente que abraçou. É, sim, uma aluna de artes de 18 anos que vive em Lagos
e que, por estar na capital naquele dia, decidiu participar na primeira
manifestação da sua vida.
“A
razão para nos manifestarmos era boa, então decidi ir. A dada altura, quando vi
polícias de intervenção, aproximei-me para ver o que se passava”, conta ao
telefone. Um grupo de manifestantes tinha acabado de atirar tomates à sede da
troika, na Avenida da República, e havia alguma tensão no ar. Adriana, que já
tinha visto fotografias simbólicas de outros protestos e manifestações,
procurou um agente para abordar, até porque “os polícias têm família como nós”.
“Foi
muito simples: de todos os polícias ali, ele era o que tinha a máscara de
plástico levantada. Então aproximei-me e perguntei-lhe: ‘Porque é que estão
aqui?’” Porquê, perguntamos. “Porque, se é uma manifestação pacífica, não vejo
razão para o corpo de intervenção estar ali. Ele respondeu-me que estava a
trabalhar e eu perguntei-lhe se ele não preferia estar connosco.” O silêncio
caiu aí. O polícia olhou em frente, “com olhos tristes”, e Adriana afastou-se a
pensar na cara infeliz e na reacção que poderia ter perante ela. Levou dez
minutos a decidi-la.
O
agente já tinha baixado a viseira por essa altura. Isso não a impediu de o
abraçar. “Sou contra gritos e contra mandar tomates, mesmo em protestos. Desejo
um mundo sem ódio. Vi que ele queria estar connosco, então passei-lhe aquela
mensagem de amor e de paz.” Ele ficou “surpreendido e acabou por tentar
afastar-me, mas não bruscamente. Por acaso, até gostava de saber se ele está
bem. Depois de ver a imagem, fiquei preocupada que pudesse ter problemas no
trabalho só porque eu o abracei”.
Sérgio
não teve qualquer problema com as chefias. Através da direcção nacional da PSP,
chegámos ao agente abraçado. “Ali estávamos nós, em plena Avenida da República,
com aquele oceano de gente pela frente. Já tinham sido arremessados tomates,
garrafas de vidro, petardos que nos rebentavam aos pés e deixavam os ouvidos a
zumbir... Mas o sentimento permanecia. Apesar de haver arruaceiros, tínhamos
que permanecer calmos e, apesar de estar ali como agente do Corpo de
Intervenção, também sinto na pele as decisões e medidas do governo”, explicou
ao i.
“O
momento em que isso se manifestou”, acrescenta, “foi quando a Adriana se
aproximou de mim e me perguntou porque estávamos ali. Respondi que era nossa
função, que apesar de aceitar que as pessoas se manifestem, tinha que
trabalhar. Ela perguntou-me então se não tinha vontade de me juntar à multidão
e manifestar-me, e a minha reacção foi olhar para ela com um ar de quem assume:
‘Sim, estou convosco no sentido da manifestação e sou parte do seu sentido’ e
olhei em frente para a multidão. Momentos depois ela voltou e simplesmente
abraçou-me. Fiquei estático e dois segundos depois disse-lhe ‘Já chega’ e
recuei ligeiramente.”
Os
dois segundos foram suficientes para nascer o símbolo de que, como alguns
internautas têm comentado, “o povo perdeu a paciência, mas não perdeu a
calma”.
Joana Azevedo Viana e Rosa Ramos, Jornal I
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