Esqueçamos por agora. Esqueçamos as promessas de que tudo se
ia resolver pelos cortes nas gorduras e diminuição dos custos intermédios.
Esqueçamos a profunda ignorância sobre as razões da crise que atravessamos ou a
suprema desonestidade de as sabendo não as dizer. Esqueçamos o facto de não
haver uma linha de discurso governamental sobre os problemas do euro, da Europa
ou da crise financeira global. Esqueçamos as mentiras sobre a confiança
readquirida no nosso país, a tal que fez baixar as taxas de juro. Esqueçamos o
facto de Passos Coelho se ter sempre oposto às medidas que efectivamente as
fizeram baixar. Esqueçamos os constantes ataques ao Tribunal Constitucional.
É melhor esquecermos. Podemos dar por nós a pensar se não há
um sério problema de legitimidade democrática quando se faz exactamente o
oposto daquilo que se promete, a reflectir sobre uma tão evidente falta de
preparação para o exercício de tão importantes funções ou a cismar sobre tanta
ausência de sentido de Estado.
Concentremo-nos apenas em alguns "pormenores" da
mensagem de sexta-feira do primeiro-ministro ao País.
Afinal, receita que até agora apenas provocou desemprego,
falências em catadupa, recessão económica, é para manter. Tudo isso, mais os
cortes sociais e tudo o que estamos a sentir no lombo, era preciso para
atingirmos os 4,5% de défice, o número mágico que nos ia salvar. Apesar de
todos os sacrifícios, de toda a miséria criada, não se chegou lá, longe disso.
Então, o que se faz agora para chegar aos 3% em 2013?
Prescreve--se o mesmo medicamento, mas aumenta-se a dose: mantém-se o corte de
dois salários aos funcionários públicos, os reformados continuam a ser
assaltados (o dinheiro que deixam de receber não é do Estado, é deles) e agora
também é retirado um salário líquido aos trabalhadores do sector privado.
É assim como tentar apagar uma fogueira regando-a com
gasolina. Utilizar uma fórmula em dose superior que já provou estar errada e
esperar resultados diferentes é, digamos, estúpido.
Porém, para diminuir os danos na economia, o Governo
anunciou uma solução para aumentar o emprego. No papel a coisa funcionaria
assim: as empresas passam a pagar menos do que pagavam para a Segurança Social,
e com esse dinheiro que fica teoricamente em caixa decidem imediatamente
contratar trabalhadores. Alguém se deve ter esquecido de explicar aos geniais
pensadores governamentais que se as empresas não venderem os seus produtos não
ganham dinheiro, e se não ganham dinheiro não podem empregar ninguém. Ora como
as pessoas vão perder ainda mais poder de compra (toda a gente passa a pagar
mais 63,6% à Segurança Social), é capaz de não resultar...
A hipocrisia suprema é falar de defender as pequenas e
médias empresas com esta medida. Estas empresas trabalham para o mercado interno,
como diabo se fala de ajuda quando se lhes retira clientes? Sim, as empresas
precisam de financiamento como de pão para a boca, mas precisam também de
vender. Sem financiamento algumas resistirão; sem clientes não há uma que
resista.
Mas, calma, o Governo não está a ser ilógico, e vê o que
todos vemos. Passos Coelho e Paulo Portas não pensam que o desemprego vai
diminuir por as contribuições para a Segurança Social por parte das empresas
baixarem. Seria insultar a inteligência dos líderes responsáveis por estas
políticas achar que eles pensam que com uma economia em queda se criam
empregos. Também, de certeza absoluta, não pensam que as pequenas e médias
empresas vão ficar com uma tesouraria mais desafogada. Digamos que são mentiras
piedosas. Há um caminho, não pode ser dito em voz alta, mas há um caminho
definido: é preciso esmagar os salários, é fundamental empobrecer
violentamente, sobre todos, quem trabalha por conta de outrem. O que é preciso
é chegar a um limite em que cada um de nós estará disposto a trabalhar dezoito
horas por uma côdea. Para que esse homem novo surja é preciso destruir a
economia, criar ainda mais desemprego, forçar mais empresas a falir (a taxa de
IVA para a restauração está a cumprir na íntegra a sua função, por exemplo) e depois
da destruição total da economia, como por milagre, tudo será maravilhoso.
Claro que não houve anúncios nos cortes na despesa, claro
que as renegociações dos valores das parcerias público-privadas foram mais uma
vez atiradas para as calendas, claro que não houve a mínima preocupação em
tributar outras formas de rendimento que não o trabalho, claro que a
preocupação sobre o tremendo aumento da desigualdade que estas medidas vão
ainda mais gerar pura e simplesmente não existe. É cada vez mais claro que nada
disso importa para o Governo: o que é vital é empobrecer os portugueses, esses
homens e mulheres que têm vivido num permanente regabofe. No entretanto,
destrói-se por completo uma economia e, se não acordarmos, um país.
PEDRO MARQUES LOPES - DN
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