Pela calada, tentando passar entre os pingos da chuva sem
que ninguém se apercebesse, na estratégica tarde de Quinta-Feira Santa e já
depois de publicada a 1.a série do Diário da República, o governo surpreendeu
com um novo pacote de cortes nas concessões previdenciais.
Os destinatários são, uma vez mais, os trabalhadores. Mas
destes apenas aqueles que tivessem a pretensão de se fazerem valer do factor
etário para sair da vida activa e requerer a reforma antecipada.
Escudado nas já cansadas preocupações de estabilidade
orçamental e de protecção da sustentabilidade do sistema de segurança social,
veio o governo decretar a suspensão das normas que permitiam aos portugueses
requerer antecipadamente o acesso às pensões de velhice. Em causa estão os
beneficiários que, tendo cumprido o prazo de garantia, tivessem pelo menos 55
anos de idade e, à data em que perfizessem essa idade, tivessem completado 30
anos civis de registo de remunerações. Note-se que estes beneficiários seriam
já devidamente penalizados pelo tempo de antecipação relativamente à idade
normal da reforma.
Menos de uma semana depois da entrada em vigor das
alterações ao regime do desemprego, e doutorado nos ensinamentos retirados das
anunciadas desvantagens de quem chegasse atrasado ao centro de emprego, de
forma a travar quaisquer ideias de apressados que corressem com formulários
preenchidos ao Centro Nacional de Pensões, este diploma entrou em vigor... na
Sexta-Feira Santa!
As boas notícias são que (i) o congelamento só vigora
durante o Programa de Assistência Económica e Financeira e que (ii) nem todas
as reformas antecipadas foram postas “no cepo”. Deixou-se ainda uma brecha para
os desempregados que, tendo esgotado o período de concessão do subsídio de
desemprego, pretendam reformar--se antecipadamente.
Continuam, pois (por ora…), a poder usar o benefício da
reforma antecipada os beneficiários que, tendo esgotado o período de concessão
do subsídio de desemprego, tenham pelo menos 62 anos de idade, tenham cumprido
o prazo de garantia e tivessem, à data do desemprego, idade igual ou superior a
57 anos. De igual modo, continuam a ter a sorte de poder recorrer à reforma
antecipada os beneficiários que, tendo esgotado o período de concessão do
subsídio de desemprego, tenham pelo menos 57 anos de idade e, à data do
desemprego, tivessem idade igual ou superior a 52 anos bem como carreira
contributiva de pelo menos 22 anos civis com registo de remunerações.
No primeiro caso (e até que o governo se lembre de os
penalizar), os beneficiários podem reformar-se naquelas condições sem qualquer
factor de redução; no segundo caso, os beneficiários são prejudicados com uma
penalização.
Ficaram também salvaguardados do congelamento das reformas
antecipadas os beneficiários que, adivinhando a surpresa, tivessem dado entrada
dos pedidos no Centro Nacional de Pensões até à Quinta-Feira Santa.
O secretismo envolvido na preparação e na aprovação do
diploma, bem como o timing da sua publicação, trouxeram ao pacato cidadão (que
não tem tempo de digerir as notícias) um delicioso folar de Páscoa. Deve ser
isto que o governo entende como uma boa estratégia de comunicação...
Inês Albuquerque de Castro - Advogada - Jornal I.
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