De muitas coisas se pode acusar este Governo, mas não de
falta de criatividade ou de capacidade para surpreender.
Desta feita tivemos a novidade de assistir a um consultor do
Governo a dar uma entrevista a um canal de televisão, em horário nobre, para
nos explicar em que pé andam as privatizações. Ou seja, sobre um assunto
importantíssimo para o País, convenhamos que as privatizações da TAP, ANA ou
RTP não são propriamente temas de lana caprina, em vez de termos um ministro ou
mesmo o próprio primeiro-ministro a informar os portugueses (e, já agora, o
CDS) dos respectivos processos, aparece António Borges. Mas, tentemos
compreender, até se entende a ida de António Borges à TVI para informar os
cidadãos sobre os dossiers em causa: o ministro da Economia não sabe e o
ministro para a Comunicação Social não pode.
Santos Pereira anda perdido num ministério ingovernável e só
aceitou ser ministro de semelhante monstro por não ter o mínimo de experiência
governativa ou empresarial. Como a sua gritante falta de capacidade para um
cargo destes ficou logo à vista de toda a gente, Passos Coelho tratou de lhe
tirar as suas atribuições espalhando-as por este ou aquele ministro e por um
sem-numero de comissões e comités. Pode lá ele falar sobre a TAP ou
privatizações e ser levado a sério por quem quer que seja.
Miguel Relvas não pode aparecer sem que não lhe façam
perguntas incómodas sobre licenciaturas, serviços secretos, mentiras em
inquéritos parlamentares e tudo mais. A sua popularidade e credibilidade junto
do cidadão comum faz com que qualquer proposta vinda da sua boca seja
imediatamente repudiada. Relvas é um zombie político. Pode ser essencial para
Passos Coelho, e, como muito boa gente diz, o único ministro que não tem medo
de tomar decisões, mas politicamente acabou. Não podia ser ele a apresentar o
que quer que fosse sobre a RTP.
Mas, seja como for, o Governo demonstrou uma falta de
respeito gritante pelos portugueses quando enviou um consultor falar sobre o
destino a dar a empresas tão importantes como a RTP e a TAP. Além disso, como
se fosse pouco, mostrou outro mal bem mais profundo que este Executivo vem
amiúde revelando: não havia planos nenhuns para assuntos vitais da governação e
foi preciso arranjar uns senhores muito inteligentes para dizer o que fazer. Havia
assim umas ideias coladas a cuspo, decoradas à pressa e sem o mínimo de
reflexão.
Não, longe disso, não é o facto de os dois ministros
teoricamente responsáveis pelos dossiers não poderem aparecer e terem de mandar
um consultor que, na ignorância deles, pensam ser mais credível, é sobretudo
nós percebermos que afinal não havia nenhuma ideia para a privatização da TAP,
ou que ninguém tinha pensado verdadeiramente o que fazer com a RTP.
O caso da RTP é chocante: aquela patética comissão, as
notícias plantadas nos jornais sobre possíveis compradores, fica com este
canal, vende o outro ou fica com este e vende o outro, e agora esta coisa que
Borges conseguiu apresentar aparentemente sem um pingo de vergonha. Uma
revolucionária solução em que o Estado cede uma estação de televisão e garante
um lucro chorudo ao feliz contemplado que é pago com os impostos de todos nós.
Genial. Não, não é bem uma PPP, é, para o investidor privado, muito melhor.
Este fica com uma companhia com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme
prestígio, com um património tangível e intangível único e ainda lhe garantem
uma rentabilidade que fará roer as unhas de inveja um qualquer concessionário
de auto-estradas.
É evidente que esta vergonha cairá no caixote do lixo das
ideias, junto do fim da TSU e outras, que o Governo manda "cá para
fora" para serem testadas. A comunidade ainda não está suficientemente
adormecida para deixar passar uma coisa destas. Todo este processo é dum
experimentalismo bacoco, duma falta de sentido de Estado, duma evidente
impreparação, que assusta o mais crente nas qualidades deste Governo. Onde
estão afinal as milhares de páginas de planos? As contribuições dos diversos
grupos de trabalho? As ideias sólidas sobre o que fazer com a televisão
pública? Eram precisos consultores para mostrar que a privatização da RTP não
valia um chavo?
António Borges prestou-se, mais uma vez, a um triste papel:
o de mostrar que afinal Passos Coelho e a sua equipa não sabiam o que fazer em
questões fulcrais e mentiram dizendo que sabiam. O drama é que ainda não sabem
e não é só, infelizmente, no caso da RTP.
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