
Timor-Leste trava neste momento um combate dramático em
defesa dos recursos naturais do seu povo contra a cobiça das multinacionais do
petróleo aliadas a um vizinho poderoso: a Austrália. À semelhança da história
bíblica de David e Golias, assistimos a uma luta desigual entre um pequeno
Estado que conquistou a independência já neste século, à custa do sangue do seu
povo, e o gigante que se apoderou de uma enorme fatia da sua riqueza através de
um acordo espúrio com a outra grande potencia regional, a troco do
reconhecimento da invasão e ocupação militar de Timor pela Indonésia. Este
combate épico desenrola-se em 3 frentes. Na frente diplomática, porque Timor
não se resigna à recusa do Governo australiano de submeter a resolução do
litígio sobre a fronteira marítima, ao Tribunal Internacional (prevê,
acertadamente, que ali não lhe darão razão!). Na Comissão de Arbitragem em
Singapura, onde as companhias petrolíferas e o Governo de Timor deviam chegar a
acordo sobre as taxas e as deduções indevidas que as companhias não querem
devolver a Timor -Leste. E, a terceira frente, nos tribunais timorenses que,
apesar de as partes em conflito não terem concluído ainda a fase de
"negociação amigável", em Singapura, aceitaram decidir a meia centena
de ações judiciais que as companhias petrolíferas associadas à "Conoco
Philips" intentaram contra o Estado soberano, para proteger os seus
lucros. Inesperada e lamentável foi a abertura desta quarta frente, na
retaguarda, suscitada pela suspensão dos contratos de funcionários internacionais
ao serviço dos tribunais timorenses! Todos deploramos que "magistrados
portugueses", sob esta única "denominação" veiculada pela
Comunicação Social, tenham sido coletivamente qualificados, ainda que no âmbito
de considerações laterais, como carecidos de experiência e adequada preparação
em certos domínios técnicos, pelas autoridades timorenses. Por isso
compreendemos, apesar de não as subscrever, afirmações de índole sindical ou
corporativa sobre este "incidente" internacional. É de louvar a posição
do Governo português, em comunicados do Ministério dos Negócios Estrangeiros e
do Ministério da Justiça, cuja moderação se aprecia, porque o Governo está
obrigado a prestar contas aos cidadãos nacionais sobre os
"incidentes" da cooperação internacional. E também porque a política
da língua decorre de uma estratégia cuja continuidade tem sido assegurada por
governos sucessivos, maioria e oposição. Não é portanto matéria que se possa
levianamente comprometer em confrontos de fações partidárias. Pelo contrário,
muitos comentadores de serviço revelaram crassa ignorância e flagrantes
preconceitos chauvinistas nas declarações que prestaram sobre este
"incidente", fazendo crer que tudo se resumiria ao "filme
habitual" da tentativa de encobrimento da corrupção política que bem
conhecem de outras latitudes. De novo, "os magistrados portugueses"
estariam envolvidos numa verdadeira operação "mãos limpas", há 3
anos, e seria esta a razão do seu inesperado "despedimento". Se fosse
assim, como se entenderia que esperassem 3 anos para se
"desembaraçarem" deles? Porque permitiram a condenação e o
cumprimento da pena de prisão da antiga ministra da Justiça? Por que atendeu o
Parlamento Nacional, quase sempre, os pedidos de levantamento da imunidade de
membros do Governo, para que respondessem perante os tribunais? Só por
indigência e imperdoável malícia se explica tal insinuação!As sentenças dos
tribunais de Timor-Leste são públicas e assinadas pelos seus autores, tal como
em Portugal. Recomenda-se que as consultem! O Conselho Superior da Magistratura
timorense rege-se por normas análogas ao Conselho Superior da Magistratura de
Portugal. Por isso não é o Governo de Timor quem nomeia os juízes nem lhes
distribui ou retira os processos. Por isso, pode crescer a promiscuidade entre
juízes timorenses e funcionários internacionais artificialmente equiparados aos
primeiros, para o exercício soberano do poder de julgar e decidir processos judiciais,
em nome da República de Timor-Leste. Ao mesmo tempo que se permitia que
funcionários internacionais representassem o Estado e promovessem a ação penal,
em paridade com os magistrados do Ministério Público timorenses. Uma história,
enfim, que não podia ter um final feliz!
PEDRO
BACELAR DE VASCONCELOS - JN